Alerta para os republicanos: Trump termina ano dando sinais de decadência, em mau sinal para eleição parlamentar de 2026
05/12/2025

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Em todas as vezes que os americanos votaram este ano, os democratas aumentaram sua votação, em relação ao ano passado, em dois dígitos
Donald Trump dormiu no ponto. A constatação, feita reservadamente ao GLOBO por estrategistas republicanos, não se refere aos cochilos que ele de fato parece ter tirado, ao menos duas vezes, durante a reunião ministerial de quase duas horas e meia da última terça-feira, traduzidos por parte da imprensa americana como o mais recente indício da decadência cognitiva do político de 79 anos. O fogo amigo foi direcionado à maneira como o presidente dos Estados Unidos, visivelmente abatido, caiu em uma armadilha ao atacar, na mesma ocasião, o uso pela oposição da palavra de ordem “acessibilidade” em disputas eleitorais este ano.
— Os preços de energia e da gasolina estão mais baratos, e quando essas coisas caem, tudo cai. Essa palavra, essa tal de “acessibilidade”, nada mais é do que um golpe do Partido Democrata — resumiu Trump.
Preços em alta
Não foi golpe, rebatem os números. Antecessor do republicano, Joe Biden deixou o poder em 20 de janeiro deste ano com o galão de gasolina ao preço médio de US$ 3,05 (pouco mais de R$ 16). Ontem, pelo mesmo indicador-padrão, da Associação Automobilística Americana, ele saía a US$ 3,06. A projeção do próprio governo para a inflação deste ano nos EUA é de 3% a 3,5%, a depender dos resultados mensais adiados por conta da paralisação do governo federal, entre 1/10 e 12/11. De qualquer modo acima dos 2,9% do ano passado. Ou seja, os preços dos aluguéis, do supermercado e dos planos de saúde aumentaram, sim, como relatam os eleitores. E no mesmo ritmo, ou ligeiramente superior, ao que levou os americanos, em novembro do ano passado, a decidir que desejavam conferir uma segunda temporada de Trump na Casa Branca.
À época, o republicano repetia, em seus comícios, que decidir o voto entre ele e a então vice-presidente Kamala Harris, do Partido Democrata, era uma questão de memória: “Coloque a mão no bolso e veja se tem mais dinheiro agora do que quando eu saí do governo. E vote em quem o deixou com mais dinheiro”. Mas os tarifaços, que encareceram para os americanos, entre outros produtos, o café e o suco de laranja importados do Brasil, somados ao deserto de medidas voltadas para enfrentar a carestia, entregaram de bandeja à oposição a “tal da acessibilidade”.
Este foi o tema central de candidaturas que fizeram o governo Trump sangrar nas urnas em 2025. Em todas as vezes que os americanos votaram este ano, os democratas aumentaram sua votação, em relação ao ano passado, em dois dígitos. O movimento da direita para a esquerda foi registrado nas vitórias, entre elas as da prefeitura de Nova York e dos governos de Nova Jersey e Virgínia, e também nas derrotas da oposição, inclusive a desta terça-feira, no Tennessee, na disputa por uma vaga de deputado em reduto conservador.
Lá, a vantagem de 22 pontos percentuais que os republicanos tiveram no ano passado despencou para 9 pontos, mesmo com um candidato mais experimentado, o envolvimento de Trump na campanha e o investimento de US$ 7 bilhões (R$ 37,1 bilhões) em propaganda e mobilização nas últimas três semanas. Com o agravante de que do outro lado estava uma jovem populista de esquerda, com mensagem em tudo oposta à cultura majoritária do estado sulista, célebre pela música country e o bourbon.
O inesperado aperto da disputa gerou, no trumpismo, a multiplicação de contas de padaria. Uma delas dá conta de que, se o ritmo de migração de votos registrado este ano for mantido até novembro do ano que vem, os governistas perderão 100 cadeiras na Câmara para os democratas no pleito de meio de mandato. Nele, se definirá quem comanda o Congresso e, na prática, a continuação da transformação à direita da democracia americana. Mesmo carentes de exatidão e a distantes 11 meses da disputa, os cálculos desesperados ilustram o tamanho do capital político perdido em pouco menos de um ano de Trump 2.0.
Ao cair na armadilha de afirmar que os americanos não veem a vida como ela é, Trump acendeu de vez o sinal amarelo em seu partido. A afirmação remeteu observadores atentos do xadrez político americano ao fragilizado Biden, que contrapunha dados macroeconônimos inegavelmente positivos da metade derradeira de sua gestão à constatação, pelos eleitores, dos efeitos nocivos da escalada inflacionária causada durante seu governo, entre outros motivos, pelos efeitos da pandemia. Pesquisas atestaram na época que os cidadãos viam no democrata alguém desconectado das dificuldades da vida real. A sensação em parte do flanco governista agora é de filme repetido.
O tema será explorado cada vez mais pelos democratas. Uma das mais afiadas opositoras de Trump na mídia, a jornalista Rachel Maddow, da rede MSNBC, botou o dedo na ferida ao ser entrevistada, na terça-feira, por outro crítico destacado do republicano, o apresentador Stephen Colbert: “Não se pode dizer ao caixa do supermercado que não se pagará a conta mais cara das compras, pois Trump afirmou que a inflação é um engodo dos democratas. Quando a vida prova falsa a realidade percebida pelos políticos, eles é que tendem, aí sim, a sofrer um golpe, e duro, como foi no caso com Biden.”
As comparações com a decadência física, cognitiva e política de seu antecessor, e as primeiras fissuras internas, com congressistas republicanos batendo de frente, de forma inédita, com o presidente, em tópicos que vão da abertura dos arquivos do caso Jeffrey Epstein ao possível crime de guerra cometido nos bombardeios seguidos de uma embarcação, com feridos, no Mar do Caribe, tiraram Trump do sério. Ele esculhambou a reportagem do New York Times que detalhava seus lapsos recentes constantes, inclusive o momento anterior ao da reunião ministerial em que teria cochilado, no meio de uma audiência no Salão Oval.
Desaprovação recorde
Bem ao seu estilo, afirmou que a jornalista que assinava o texto era uma “mulher feia”. Mas a grosseria, que uniu uma vez mais desprezo pela imprensa profissional e misoginia, foi largamente interpretada como reação de alguém acuado, igualmente cobrado pelos americanos por não ter força suficiente para dar o prometido fim da guerra na Ucrânia e denunciar as seguidas mortes na Faixa de Gaza, mesmo após o frágil cessar-fogo construído por sua equipe. E pesquisa CBS News/You Gov mostra que apenas 30% dos americanos aprovam o uso de força militar americana contra a Venezuela.
O mesmo YouGov, em parceria com a The Economist, divulgou ontem o resultado de entrevistas feitas com 1.628 eleitores entre sexta-feira e segunda que atestam o quão mais fraco politicamente Trump encerra 2025. Apenas 38% o apoiam, e a rejeição, recorde na série histórica, é de 57%. Esta foi a sétima semana seguida em que a margem de desaprovação ultrapassou 15 pontos percentuais. Dos ouvidos, 55% afirmam que, se a eleição fosse hoje, votariam em democratas para o Congresso, contra apenas 41% nos republicanos, em mudança de humores muito mais veloz do que apostavam os governistas.
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