'Taco trade': entenda por que o mercado acha que Trump vai 'amarelar' antes de sobretaxar o Brasil

14/07/2025

Fonte: O globo Por Luísa Marzullo, Isa Morena Vista, Eliane Oliveira, Renata Agostini e Victoria Abel — Brasília e Rio

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Segundo analistas, declaração de que ele pode conversar com Lula reforçou a percepção de que o presidente americano pode estar prestes a repetir um padrão conhecido entre os investidores

Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicar que pretende negociar, mas vai retaliar caso os EUA coloquem em vigor em agosto a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileirosDonald Trump afirmou que pode conversar com Lula, mas não agora. Ele falou a jornalistas antes de embarcar para o Texas e repetiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro, julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de tentativa de golpe de Estado, é tratado injustamente pelo governo.

— Talvez eu fale com o Lula em algum momento. Vamos ver o que acontece — disse, encerrando o assunto sem dar mais detalhes.

A ofensiva tarifária de Trump ditou os rumos do mercado nos últimos dias. A moeda americana acumulou alta de 2,11% na semana. Ontem, a divisa ficou próxima da estabilidade, com avanço de 0,1%, para R$ 5,54. Segundo analistas, a declaração de Trump reforçou a percepção de que ele pode estar prestes a repetir um padrão conhecido entre os investidores, o chamado “Taco Trade”.

Em português, a sigla Taco significaria algo como “Trump Sempre Amarela”, em referência ao modelo de causar um breve choque no mercado, seguido por uma recuperação à medida que ele recua das ameaças tarifárias.

Na máxima do dia, a moeda chegou a alcançar R$ 5,592, mas Alexandre Viotto, chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos, diz que o movimento perdeu força após Trump dizer que poderia conversar com Lula adiante.

Grandes gestores mantêm a aposta de que o Brasil resistirá à reviravolta causada por Trump. Um dos fatores que contribuem para essa leitura é que a economia brasileira é relativamente fechada, depende mais da China do que dos EUA e, portanto, provavelmente conseguiria suportar as tarifas de 50%, mesmo que elas de fato entrem em vigor, afirmaram gestores da Aberdeen e da Franklin Templeton, segundo a agência Bloomberg.

 

China critica tarifaço

 

“O fato de a economia brasileira não ser muito dependente das exportações a torna mais resiliente a choques tarifários”, disse Chetan Sehgal, gestor de portfólio de ações de mercados emergentes da Franklin Templeton, que tem o Brasil entre suas principais apostas.

Gestores destacam que as exportações para os EUA respondem por apenas 2% do PIB e que commodities como petróleo bruto, ferro, café e carne bovina representam a maior parte das vendas.

O UBS Wealth e o Bradesco BBI estão entre os que reiteram visões otimistas sobre as ações brasileiras e dizem que as tarifas de 50% provavelmente não prevalecerão.

Na avaliação de analistas, o ataque de Trump pode dar impulso a Lula, que a pouco mais de um ano da eleição enfrenta um quadro de economia com juros altos e baixa popularidade.

“Ele (Lula) agora consegue explorar o sentimento patriótico dos brasileiros e assumir o papel de defensor da soberania, o que pode ser vantajoso no período de aquecimento para a campanha presidencial”, disse à Bloomberg Thierry Larose, gestor da Vontobel.

Os próximos dias “devem ser turbulentos” para investidores estrangeiros no país, disse Larose. “Como investidores de longo prazo, acreditamos que o pragmatismo acabará prevalecendo, e qualquer correção substancial pode representar uma oportunidade de acumular ativos brasileiros.”

No front externo, a China criticou ontem o tarifaço de Trump para produtos brasileiros. Indagada por uma agência chinesa a respeito do argumento de relacionamento comercial “injusto” e de “caça às bruxas” contra o ex-presidente brasileiro, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, Mao Ning, respondeu:

— A igualdade de soberania e a não intervenção em assuntos domésticos são princípios importantes da Carta da ONU e normas básicas nas relações internacionais. Tarifas não deveriam ser uma ferramenta de coerção, intimidação ou interferência.

Interlocutores do governo brasileiro avaliam que o tarifaço vai aproximar ainda mais o país da China. A expectativa é que o ataque ao país leve o setor privado para mais perto de outros parceiros internacionais, incluindo os chineses.

 

Déficit com EUA de US$ 1,7 bi

 

Maior parceiro comercial do Brasil, as exportações para a China foram quase US$ 12 bilhões maiores do que as importações de produtos chineses no primeiro semestre deste ano, garantindo uma relação superavitária ao lado brasileiro no intercâmbio bilateral de bens.

No mesmo período, houve um déficit comercial de US$ 1,7 bilhão com os EUA, o que significa um aumento de aproximadamente 500% em comparação com o mesmo período de 2024, de acordo com a mais recente edição do “Monitor do Comércio Brasil-EUA”, divulgado pela Amcham Brasil.

Entre janeiro e junho deste ano, a corrente de comércio entre Brasil e Estados Unidos cresceu 7,7% no período, somando US$ 41,7 bilhões — o segundo maior valor da série histórica. As exportações brasileiras aumentaram 4,4%, totalizando US$ 20 bilhões, com destaque para carne bovina (+142%), sucos de frutas (+74%), café não torrado (+39%) e aviões (+12,1%).

O Brasil tentará resolver sozinho o impasse com os EUA. Segundo auxiliares de Lula, não há intenção de chamar outros países para formar uma força contra o tarifaço. A ideia é agir sem ataques desnecessários.

 

Diálogo com exportador

 

Um dos focos de atuação é a articulação com o setor privado. O vice-presidente Geraldo Alckmin ficará encarregado de coordenar o diálogo com os exportadores para definir respostas do Brasil ao tarifaço.

O comitê será formalizado na próxima semana e contará com a participação dos ministérios da Fazenda, Casa Civil e Relações Exteriores, além da Secretaria de Relações Institucionais e do Ministério do Desenvolvimento.

O governo ainda trabalha na lista de empresários que serão chamados para compor o grupo. A ideia, porém, é que todos os setores potencialmente afetados sejam convidados à mesa. Com isso, representantes do agronegócio, em especial produtores de carne, suco de laranja e café, e lideranças da indústria, com destaque para o segmento de tecnologia, devem ser chamados.

A fabricante de aviões Embraer também deve compor o comitê. O mercado americano é o principal destino de produtos manufaturados produzidos pelo Brasil, mas também tem peso importante para alguns segmentos do agronegócio.

Ontem, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que conversou com Alckmin sobre as consequências e os impactos negativos das tarifas de Trump e disse que a Casa está à disposição para responder “com firmeza”.