Referendo sobre Essequibo cria artifício político para Maduro e deixa dúvidas sobre tomada do território
05/12/2023

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Analistas ouvidos pelo GLOBO se dividem sobre possibilidade real de um conflito e apontam para possíveis usos políticos da disputa com a Guiana
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi enfático ao se pronunciar sobre a vitória do "Sim" no referendo sobre a incorporação do território do Essequibo à Venezuela, realizado no domingo. Maduro afirmou (e reafirmou) que, apesar de consultivo, o resultado da votação tinha caráter "vinculante" — palavra repetida quase que uma dezena de vezes em sequência pelo presidente durante o discurso oficial ao lado de autoridades eleitorais e militares, nesta segunda-feira —, o que obrigaria o governo a tomar ações para que cada termo votado seja devidamente efetivado.
— A decisão que vocês tomaram dá um impulso vital muito poderoso. Agora sim vamos recuperar os direitos históricos da Venezuela na Guiana Esequiba, agora sim vamos fazer justiça, agora sim vamos reivindicá-la com a força de todos — disse o o presidente num evento nesta segunda-feira, ao lado de autoridades do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
O foco na obrigação do governo de efetivar as medidas votadas, dentre as quais a incorporação do território que hoje faz parte da Guiana e a criação do estado da Guiana Essequiba, entregando a nacionalidade venezuelana aos cidadãos da região, não se estendeu, no entanto, ao modus operandi, levantando dúvidas sobre se os próximos passos de Caracas incluiriam uma ação militar, uma nova frente de negociação ou mesmo não passaria de um blefe.
— A ênfase que Maduro deu ao caráter vinculante indica que todas as propostas expressas no referendo avançarão. Julgo que as medidas serão de caráter progressivo, porque implicam medidas jurídico-políticas e de segurança e defesa nacional — disse ao GLOBO a advogada venezuelana Rocío San Miguel, presidente do Observatório Venezuelano para a Segurança e Defesa Nacional (Ovesede).
As medidas progressivas, explicou a analista, incluiriam a uma série de questões que o governo venezuelano precisará solucionar antes de ter, de fato, o controle sobre o território, desde a designação de um governador para a região, passando pela definição das autoridades responsáveis por sua defesa, até a divisão territorial do novo estado que será criado.
Em uma análise logo após o pronunciamento de Maduro, a advogada afirmou que não está claro como o país passará a abordar o caso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde Guiana e Venezuela disputam a soberania do território no campo legal — uma das perguntas aprovadas no plebiscito era sobre não reconhecer o tribunal internacional como competente para julgar o caso. Ela também esboçou dúvida sobre como Caracas reagirá a medidas administrativas e acordos comercias autorizados previamente por Georgetown.
"Fica por saber que medidas assumirá o Estado venezuelano para se opor às concessões unilaterais que a Guiana entregou a companhias internacionais nos espaços marítimos por delimitar. Se apenas se referirá a medidas diplomáticas ou também incluirá medidas militares destinadas a impedir a presença de empresas petroleiras internacionais", escreveu.
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