Para muitos historiadores, foi precisamente o passado militar, impecável aos olhos de muitos israelenses, que deu ele a legitimidade necessária para embarcar no processo de paz de Oslo.
“Não que Rabin fosse a última chance para a paz, mas foi a melhor, justamente pela sua experiência como pilar do sistema de defesa, pela importante credibilidade que tinha e pela transformação genuína que viveu nos últimos anos e meses de sua vida”, explica Derek Penslar, professor de História Judaica da Universidade de Harvard, à BBC.
Rabin liderou a guerra, mas passou a acreditar que o diálogo era importante para a segurança de Israel, como demonstrou apaixonadamente em discursos como este:
"Eu, número de série 30743, tenente-general da reserva Yitzhak Rabin, soldado das Forças de Defesa de Israel e do exército de manutenção da paz; eu, que enviei exércitos ao fogo e soldados à morte, digo hoje: estamos navegando em direção a uma guerra sem vítimas, sem feridos, sem sangue, sem sofrimento. É a única guerra em que é um prazer participar: a guerra pela paz.”
Como explica Dov Waxman, diretor do Centro Y&S Nazarian para Estudos de Israel da Universidade da Califórnia, Yitzhak Rabin “não era exatamente um pacifista de esquerda”, mas foi por isso que se tornou a pessoa mais adequada em Israel para liderar o processo de paz.
“O primeiro-ministro Rabin estava numa posição única para liderar um processo de paz bem-sucedido até sua conclusão. Devido a sua longa experiência militar, ele poderia dar garantias aos israelenses, especialmente aos judeus israelenses, de que não comprometeria sua segurança”, disse Waxman à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Com este apoio, e as bases estabelecidas com a Conferência de Paz de Madrid de 1991 e os acordos de Camp David de 1978, Rabin tornou-se um ator-chave para os Acordos de Oslo.
O que foram os acordos de Oslo
Num cenário tão volátil como o do Oriente Médio, negociar a paz exigia discrição.
Por esta razão, as equipes de negociação palestinas e israelenses iniciaram conversações secretas em 1993 na capital norueguesa, que terminariam com a assinatura do primeiro Acordo de Oslo (Oslo I) em setembro desse mesmo ano na Casa Branca.
Diante do presidente Bill Clinton, Rabin e Arafat conseguiram com um aperto de mão o que até então parecia impossível: reconhecerem-se mutuamente como interlocutores.
Ambos, além do então ministro das Relações Exteriores de Israel, Shimon Peres, foram reconhecidos em 1994 com o Prêmio Nobel da Paz.
Um segundo acordo (Oslo II) seria assinado em 1995.
Até então, Israel se recusava a negociar com a OLP, que considerava uma organização terrorista. Mas a partir desse momento, a Organização para a Libertação da Palestina se tornou, aos olhos de Israel, “representante do povo palestino”.
Por sua vez, a OLP reconheceu Israel como um Estado, renunciou ao terrorismo e os seus líderes puderam regressar do exílio.
Os Acordos de Oslo concederam autogoverno limitado aos palestinos em suas áreas urbanas e levaram à criação da Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Mas o arranjo criado deveria ser temporário. Oslo foi pensado para que, dentro de cinco anos e graças a novas negociações, fosse alcançada uma solução permanente para o conflito.
Passaram-se 30 anos desde então e a realidade não poderia ser mais distante das esperanças da época. Hoje quase ninguém fala em paz na região.
O assassinato de Rabin marcou o fim do processo de paz?
O assassinato teve impacto profundo no processo de paz de Oslo, reconhecem os analistas consultados.
Após a morte de Rabin, Shimon Peres assumiu a liderança do governo que perdeu, um ano depois, em disputadas eleições contra Benjamin Netanyahu.
“Embora Netanyahu não tenha travado o processo de paz, ele fez todo o possível para inviabilizá-lo e garantir que não terminasse com a criação de um Estado palestino”, argumenta o professor da Universidade da Califórnia.
Para Orit Rozin, professora de história judaica na Universidade de Tel Aviv, o assassinato de Rabin abalou os israelenses da mesma forma que agora, no ataque do Hamas em 7 de outubro, no qual morreram cerca de 1.400 pessoas, segundo as autoridades israelenses.
“As circunstâncias são obviamente muito diferentes mas, naquela altura, tal como agora, os israelenses e os seus líderes sentiram como se tivessem perdido o equilíbrio”, argumenta Rozon, para quem Shimon Peres estava “perturbado demais para reunir coragem para avançar com o acordo".
A extrema-direita israelense, embora nunca o tenha reconhecido, “celebrou o assassinato de Rabin”, diz a historiadora, que naquela noite recebeu um telefonema de um rabino que vivia nos colonatos, que disse que “as pessoas dançavam nas varandas”.
Três semanas antes do assassinato, um jovem de 19 anos apareceu na televisão com o emblema do carro modelo Cadillac de Rabin, que ele próprio arrancou do veículo: “Chegamos ao carro dele e em breve chegaremos a ele também”, ameaçou.
Seu nome era Itamar Ben Gvir, hoje Ministro da Segurança Nacional de Israel.
No final, Orit Rozin resume: “O Hamas, com a sua campanha de atentados suicidas, e a extrema direita israelense, acabaram matando o processo de paz”.
Após a morte de Rabin, nem o lado palestino nem o lado israelense emergiram com a liderança necessária para manter viva a chama da paz, dizem os analistas.
Yigal Amir, um judeu de extrema-direita de 25 anos, confessou-se culpado pelo assassinato de Rabin, a quem matou "por entregar a sua terra e o seu povo aos inimigos". Ele nunca se arrependeu. Desde então, cumpre pena de prisão perpétua em uma prisão israelense — Foto: GETTY
É impossível prever o que teria acontecido se Rabin não tivesse sido assassinado.
Os negociadores ainda não tinham começado a discutir as partes mais complicadas do acordo, como os limites futuros que o Estado da Palestina teria, o retorno dos refugiados, o estatuto de Jerusalém ou os colonatos judaicos nos territórios palestinos.
O próprio Rabin “também nunca declarou publicamente que apoiava a criação de um Estado palestino, embora entendesse claramente que era nesta direção que os acordos se dirigiam”, observa Dov Waxman.
Na verdade, como lembra o historiador Rachid Khalidi, que detém a Cátedra Edward Said de Estudos Árabes Modernos na Universidade de Columbia: “Rabin disse em diversas ocasiões no Knesset que a Palestina seria menos que um Estado, que Israel manteria o controle completo do vale do rio Jordão e de Jerusalém.”
Hoje, os Acordos de Oslo, que em teoria ainda estão em vigor, estão bastante desacreditados. A ANP, que deveria ter sido substituída por um governo eleito, está perdendo sua legitimidade.
As tentativas seguintes de voltar ao caminho da paz também não prosperaram.
O último esforço sincero, sustenta Derek Penslar, foi provavelmente em 2008 entre o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, e o presidente da ANP, Mahmoud Abbas.
“Assim que Netanyahu se tornou primeiro-ministro novamente, tudo acabou”, diz o professor de Harvard.