Quais as principais alianças de poder entre países envolvidos nos conflitos do Oriente Médio

30/01/2024

Fonte: G1 Por BBC

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Por anos, o sectarismo religioso entre sunitas e xiitas era sido usado para explicar os conflitos no Oriente Médio, mas os especialistas dizem que hoje em dia a disputa por poder é um fator mais importante.

A guerra entre Israel e o Hamas deu início a um dos tempos mais turbulentos da história recente do Oriente Médio.

Além do conflito, a região foi abalada nas últimas semanas por confrontos entre Israel e Hezbollah no Líbano; ataques entre forças ocidentais e rebeldes houthi no Iêmen; operações do Irã contra alvos no Iraque, na Síria e no Paquistão; e ataques de outras milícias pró-Irã contra alvos dos EUA, de Israel e dos seus aliados.

Essas múltiplas fontes de violência alimentam o receio de uma guerra maior no Oriente Médio e afetam as tradicionais alianças de poder regionais.

Existe uma rivalidade entre o Estado de Israel e o mundo árabe. Mas há também uma divisão religiosa entre os xiitas — tradicionalmente representados pelo Irã — e os sunitas — cuja potência maior é a Arábia Saudita.

Essas duas rivalidades são duas constantes no quebra-cabeça no Oriente Médio.

Especialistas consultados pela BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC) dizem que a região tem sido afetada menos por questões de diferenças de fé e mais por alianças políticas e militares temporárias.

 

Irã e grupos armados não-estatais

 

O Irã despertou preocupação na comunidade internacional quando, em apenas três dias, de 15 a 17 de janeiro, atacou alvos em três países diferentes: Iraque, Síria e Paquistão.

Embora as ações do Irã tenham sido contra alvos específicos, como uma suposta base de inteligência israelense no Iraque e grupos islâmicos rivais no caso da Síria e do Paquistão, os especialistas atribuíram os ataques ao interesse iraniano em mostrar força em tempos turbulentos.

Teerã repete que não quer se envolver em um grande conflito, embora nas últimas semanas o seu chamado "eixo de resistência" tenha sido bastante ativo.

O eixo é formado por grupos armados como o Hezbollah no Líbano; milícias xiitas no Iraque, Afeganistão e Paquistão; o Hamas e outros grupos militantes nos territórios palestinos e os rebeldes houthi no Iêmen.

 

O serviço persa da BBC descreve a ideologia como "notoriamente antiamericana e anti-Israel".

Todos, em maior ou menor grau, atacaram alvos israelenses ou aliados desde o início da guerra em Gaza, em outubro.

Haizam Amirah-Fernández, especialista em Oriente Médio do Elcano Royal Institute, um think tank baseado na Espanha, disse à BBC Mundo que "as alianças do Irã com o seu 'eixo de resistência' são das mais estáveis e duradouras da região".

 

"As alianças entre o Irã e estes grupos são um produto da revolução iraniana de 1979 e funcionam como uma forma de exportar o seu modelo e promover seus propósitos políticos", diz Lina Khatib, diretora do SOAS Middle East Institute, com sede em Londres.

 

Segundo especialistas, estes grupos surgiram do descontentamento com a realidade política dos seus países — e o Irã aproveita esse sentimento para expandir a sua influência regional.

Em artigo publicado em 2020 pela BBC, Kayvan Hosseini, jornalista do serviço da BBC em persa, afirmou que todos estes grupos recebem "apoio logístico, econômico e ideológico” do Irã.

Michael Kugelman, diretor de Sul da Ásia no Wilson Center, diz que não se pode ignorar o papel do sectarismo religioso devido à "proximidade do Irã com os grupos xiitas e dos sauditas com os sunitas".

Mas, ao mesmo tempo, ele destaca que as rivalidades têm muito mais a ver com uma briga por poder do que com diferenças religiosas.

Isso explicaria, por exemplo, o apoio iraniano ao Hamas como contrapeso a Israel, apesar de este grupo militar provir do ramo sunita do Islã.

Ou explicaria, ainda, que dentro dos mesmos grupos há lados diferentes dependendo do conflito. O Hamas e o Hezbollah apoiaram diferentes frentes na guerra síria, mas ambos estão unidos no seu objetivo de acabar com Israel.

Quanto ao "isolamento" do Irã na região — uma referência à falta de alianças com atores estatais, com exceção do regime de Bashar al Assad na Síria —, os especialistas atribuem a dois fatores principais.

 

Primeiro, "porque o modelo de exportação da revolução islâmica foi visto como uma ameaça pelas dinastias petrolíferas do Golfo e de outros países da região e, segundo, porque o Irã se considera no direito de ser um ator hegemônico regional ao longo da história, com seu país, seus recursos, população e herança do império persa", diz Amirah-Fernández.

 

"E isso vai contra ambições de outros países, especialmente da Arábia Saudita", diz o analista.

A Arábia Saudita realizou muitas ações nos últimos anos para se estabelecer como líder no mundo árabe.

Há algumas décadas, o centro do mundo árabe estava concentrado no Egito, país que tinha maior peso demográfico, político e cultural na região.

Mas o poder migrou para os países do Golfo e para a Península Arábica, onde a exploração de recursos energéticos gerou riqueza abundante que, pouco a pouco, virou influência política.

Primeiro, alguns países pequenos — como os Emirados Árabes Unidos ou o Catar — se destacaram. Mas em seguida, especialmente com a ascensão de facto ao poder do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman em 2017, "a Arábia Saudita mudou em grande escala dentro do país e globalmente".

 

"A sua ascensão também foi reforçada pela sua rica economia de hidrocarbonetos e pelo apoio prestado pelos Estados Unidos durante a presidência de Donald Trump como medida de pressão contra o Irã", afirma o analista Amirah-Fernández.

 

Especialistas concordam que a Arábia Saudita é o líder de facto da Liga Árabe, uma organização regional de 22 países.

 

"Em geral, embora cada país tenha as suas ambições, até o Egito e a Jordânia se posicionam e seguem as orientações estabelecidas pelos sauditas", afirma Khatib.

 

Durante cerca de 40 anos, a Arábia Saudita e o Irã mantiveram uma rivalidade aberta que alguns especialistas chegaram a descrever como "a nova Guerra Fria no Oriente Médio". Nos últimos anos, esta situação foi agravada por "guerras por procuração" em vários lugares da região.

No Iêmen, a Arábia Saudita tem apoiado as forças governamentais na sua guerra contra os rebeldes houthi desde 2015.

O Irã, acusado pelos seus rivais de apoiar os houthis, negou que envie armas a este grupo, responsável por orquestrar ataques de mísseis e drones contra cidades e infraestruturas sauditas.

A Arábia Saudita também acusa o Irã de interferir no Líbano e no Iraque, onde milícias xiitas acumularam vasta influência política e militar. Além disso, alguns destes grupos foram responsabilizados por ataques a instalações sauditas.

Em março de 2023, as relações entre a Arábia Saudita e o Irã entraram em uma nova era ao restabelecerem os laços diplomáticos e acordos de segurança, comerciais, econômicos e de investimento em uma negociação mediada pela China.

Isso seria mais um exemplo, como alertam os especialistas consultados pela BBC, da constante fluidez e complexidade das relações de poder no Oriente Médio.

 

Catar como mediador

 

Khatib e Amirah-Fernández concordam que o Catar faz parte do lado do bloco liderado pelos sauditas, embora também destaquem o seu papel mediador que o torna um caso peculiar nos equilíbrios de poder regionais.

Atualmente, os negociadores do Catar desempenham um papel singular como mediadores entre Israel e o Hamas.

E, durante anos, este país bilionário do Golfo esteve envolvido na reaproximação de países como Israel ou Irã e grupos políticos muito diferentes daqueles apoiados pelo resto dos seus vizinhos — na sua maioria, grupos islâmicos como o próprio Hamas ou a Irmandade Muçulmana, estes últimos antigos rivais dos sauditas.

Estas abordagens nem sempre foram bem recebidas pelos seus vizinhos.

 

"Em 2017, o Catar sofreu um embargo de Arábia Saudita, Bahrein, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen e Líbia porque começou a ser visto como uma ameaça devido às suas ambições políticas", lembra Khatib.

 

O Catar é um país muito rico, mas pequeno, o que o coloca em uma situação vulnerável que o leva — como apontou o cientista político Mehran Kamrava no seu livro Qatar: Small State, Big Politics (Catar: Estado pequeno, grande política, em tradução livre) — a procurar alianças múltiplas e variadas como forma de preservar a sua segurança e "melhorar a sua estatura e posição diplomática".

O embargo ao Catar foi eliminado em 2021 e as suas relações com os seus vizinhos, especialmente a Arábia Saudita, parecem estar em uma boa fase.

É claro, reitera Khatib, que o Catar ainda quer "se estabelecer como um país mais mediador e conciliador dentro da sua estratégia geopolítica".

 

Como fica Israel?

 

Amirah-Fernández define o caso israelense como um exemplo "atípico" de suas alianças na região. Khatib diz que o país "age de forma independente, sem pertencer a nenhuma aliança de países".

Israel mantém uma guerra longa e não declarada contra o Irã e outras milícias. As hostilidades de baixa intensidade se repetem, mas não atingem o ponto de um conflito total e aberto.