HRW denuncia envolvimento de forças de seguranças e de milícia chavista em mortes durante protestos na Venezuela
05/09/2024
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Organização internacional analisou as condições de 11 dos 24 assassinatos cometidos em manifestações ao redor do país
A organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) denunciou nesta quarta-feira o envolvimento das forças de segurança da Venezuela, incluindo a Polícia Nacional Bolivariana (PNB) e a Guarda Nacional, e de milícias chavistas conhecidas como "colectivos" em diversos assassinatos cometidos durante protestos contra a contestada eleição do presidente Nicolás Maduro, em 28 de julho. A ONG documentou ao menos 24 mortes e, a partir de uma perícia independente, pôde analisar as condições de 11 casos.
"Os 'colectivos' há anos intimidam e assediam os críticos e os denunciam ao governo, principalmente em áreas populares, onde o governo tem uma forte política de segurança pública", explica a HRW no documento.
Modus operandi
Após coletar relatos de diferentes ONGs locais, a HRW chegou às descobertas a partir da análise de mais de 40 vídeos e fotos dos protestos, nas quais pesquisadores, especialistas em armas e patologistas forenses observaram sombras, padrões climáticos para determinar os locais e horários exatos das ocorrências, os tipos de ferimentos e as armas utilizadas. Também foram analisadas certidões de óbito e realizadas entrevistas com 20 pessoas, incluindo testemunhas e fontes locais, afirma a organização.
De acordo com a Human Rights Watch, milicianos pró-governo e as forças de segurança adotaram um modus operandi próprio durante as manifestações para amedrontar civis: primeiro a polícia dispersa os manifestantes por meio de barreiras, disparos de gás lacrimogêneo e a detenção de alguns deles. Depois, membros dos colectivos atiram contra a população com armas de fogo por trás da barreira formada pelos agentes.
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Uma situação assim foi flagrada durante um protesto em 29 de julho, em um vídeo publicado no TikTok e verificado pela HRW, que identificou sua localização na Avenida Urdaneta, em Caracas. Nas imagens, três milicianos vestidos à paisana surgem por trás da barreira montada pelos agentes de segurança uniformizados com armas de pequeno porte, atirando para o ar.
"Os manifestantes fogem e se dispersam. Os homens disparam suas armas por mais de um minuto. As forças de segurança não tomam nenhuma medida para conter os civis ou prendê-los", relata a HRW.
Dias mais mortais
A maioria das mortes ocorreram entre 29 e 30 de julho, os primeiros dois dias que sucederam o anúncio do resultado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo chavismo. O órgão, responsável por organizar o pleito, consagrou a vitória de Maduro para um terceiro mandato de seis anos por 51% dos votos, mas não apresentou até hoje os boletins das urnas que comprovariam o resultado. A oposição, liderada por María Corina Machado, reivindicou a vitória do seu candidato, Edmundo González, por 67%, publicando em um site supostas atas das seções eleitorais, as quais tiveram acesso, que atestariam a versão.
Entre os 24 mortos, um é membro da Guarda Nacional da Venezuela (GNV). Oito casos ocorreram na capital, a maioria em bairros populares como El Valle e Antímano, que já foram redutos chavistas. Seis foram registrados durante o mesmo protesto em San Jacinto, no estado de Aragua. Os demais aconteceram nos estados de Bolívar, Carabobo, Lara, Miranda, Táchira, Yaracuy e Zulia.
— A repressão que estamos vendo na Venezuela é brutal — destacou Juanita Goebertus, diretora da Divisão das Américas da Human Rights Watch. — A comunidade internacional deve tomar medidas urgentes para garantir que os venezuelanos possam protestar pacificamente e que seu voto seja respeitado.
A presença de milícias chavistas em protestos na Venezuela não é algo novo. Em 2020, a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre a Venezuela, estabelecida pelas Nações Unidas, destacou, a partir de relatos de manifestações, que "os colectivos estavam, em alguns casos, envolvidos no controle de multidões ou em violações em coordenação com as forças armadas do Estado e/ou sob instruções da liderança política do Estado".
Vítimas da violência: dos disparos à desinformação
Uma das vítimas dessa combinação entre o poder estatal e paralelo na Venezuela foi o jovem Isaías Jacob Fuenmayor González, de 15 anos. Ao sair de casa em 29 de julho em San Francisco, no estado de Zulia, para ensaiar a dança de uma festa de 15 anos com amigos, ele encontrou seus colegas se manifestando em frente a uma escola que havia servido como seção eleitoral no dia anterior. Em frente ao colégio, está localizada a sede local do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Maduro, que foi alvo de pedras por parte dos manifestantes, o levou a confrontos com a Guarda Nacional. Após o choque entre os dois grupos, membros de colectivos atacaram os manifestantes com armas de fogo. O adolescente acabou baleado no pescoço e não resistiu, documentou a HRW.
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