Acuados pelo aumento do antissemitismo, judeus franceses enfrentam o dilema do voto entre a extrema esquerda e a extrema direita

26/06/2024

Fonte: g1 Por Sandra Cohen

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Eleições legislativas antecipadas por Macron impõem escolha difícil entre os integrantes da maior comunidade judaica da Europa.

antecipação das eleições legislativas determinada pelo presidente da FrançaEmmanuel Macron, para os dois próximos domingos, impõe uma escolha difícil para a maior comunidade judaica da Europa, com 500 mil pessoas. Seus integrantes se dizem cercados entre dois extremos, ambos com conotações antissemitas.

A extrema direita, representada pelo Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, tem raízes calcadas na xenofobia, no populismo e no ódio aos judeus. A extrema esquerda, reunida na França Insubmissa, de Jean-Luc Melénchon, aponta Israel como único responsável pela guerra em Gaza, vê o Hamas como um movimento de resistência legítimo e abraça o boicote e as sanções ao país.

Esta polarização, aliada à coligação enfraquecida centrista, comandada pelo presidente Macron, confunde e divide os judeus franceses e vem causando reviravoltas surpreendentes.

 

É o caso do prestigiado historiador Serge Klarsfeld, sobrevivente e estudioso do Holocausto, conhecido também como caçador de nazistas, que defendeu o partido de Le Pen. O mesmo Klarsfeld, que em 2022, proclamou “Não a Le Pen, filha do racismo e do antissemitismo” num artigo publicado no jornal "Libération", agora, aos 88 anos, considera que o partido RN amadureceu:

 

“O Reagrupamento Nacional apoia os judeus, apoia o Estado de Israel. Quando houver um partido antijudaico e um partido pró-judaico, votarei no partido pró-judaico.”

 

O fundador da Frente Nacional, que antecedeu o RN, Jean Marie Le Pen foi condenado pelo discurso antissemita e minimizou a existência do Holocausto, até ser expulso do partido pela filha Marine. Ela lustrou e suavizou a imagem da legenda, além de mudar o seu nome. Nas duas últimas eleições, Marine Le Pen ficou em segundo lugar, atrás de Macron.

Após o massacre do Hamas em solo israelense, em outubro passado, Le Pen filha participou de uma marcha gigantesca em Paris contra o antissemitismo e passou a cortejar os eleitores judeus. A comunidade judaica, no entanto, encara o aceno da extrema direita com cautela.

Conforme declarou Yonathan Arfi, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas Francesas (Crif), “existem alternativas a esta oposição entre uma esquerda antissemita e uma extrema direita nacionalista e populista”.

 

“A situação dos judeus é muito, muito difícil. Mesmo que alguns às vezes pensem que são atraídos pela extrema direita como resposta ao antissemitismo, a maioria dos judeus pensa que esta também é uma ameaça real”, ponderou Arfi, em entrevista a uma rádio.

Os partidos Socialista, Comunista e Verde se aliaram nestas eleições à França Insubmissa na coligação Nova Frente Popular, contra a extrema direita e, desta vez, sem a presença de Macron.

Melénchon tornou-se um crítico veemente da operação militar israelense em Gaza e se recusou a classificar o Hamas como grupo terrorista. Num post em redes sociais, ele considerou “residual” e “ausente” o antissemitismo em manifestações pró-Palestina, o que lhe rendeu acusações de minimizar os atos contra judeus no país.

Uma pesquisa do Instituto Francês de Opinião Publica publicada no início deste mês constatou que 92% dos entrevistados judeus acreditam que o partido França Insubmissa contribui para aumentar o antissemitismo na França. O RN aparece em terceira posição, citado por 49% dos ouvidos, atrás do partido ambientalista EELV.

Quase 60% optam por uma solução drástica: dizem que sairiam da França caso o partido de extrema esquerda estivesse no comando do governo, num indicativo de que, para boa parte dos judeus franceses, a escolha de domingo não traz qualquer vestígio de entusiasmo.