Racha no Centrão, novo candidato e participação de Lula: entenda as mudanças no jogo da sucessão de Lira
06/09/2024
COMPARTILHE
Hugo Motta é um parlamentar com bom trânsito em vários grupos políticos e sempre foi considerado uma alternativa pelo próprio presidente da Câmara
A entrada do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) na disputa pela presidência da Câmara alterou as negociações para a sucessão do comando da Casa e encurralou um dos principais candidatos, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), que tinha o aval informal de Arthur Lira (PP-AL) para concorrer ao posto. A mudança de cenário foi provocada por uma divisão no Centrão, cujo ápice foi a desistência de Marcos Pereira (Republicanos-SP), mas também contou com participação ativa do governo para enfraquecer Elmar, considerado um desafeto político.
A postura do governo contraria declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, em diversas ocasiões, disse que não tinha intenção de influenciar as eleições que ocorrerão em fevereiro no ano que vem.
Hugo Motta é um parlamentar com bom trânsito em vários grupos políticos e sempre foi considerado uma alternativa pelo próprio Lira. Credenciado como uma opção de “consenso” por aliados, Motta passou ontem por uma sabatina informal com Lula e, em outro momento, com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Redução de danos
Para não perder o controle do processo, Lira adotou uma estratégia de redução de danos e tem indicado reservadamente que, neste momento, vê o parlamentar do Republicanos como o nome mais viável.
Uma das preocupações do presidente da Câmara é não repetir os mesmos erros de Rodrigo Maia, que foi derrotado após deixar o cargo. Por isso, sempre repete que o ideal seria manter a unidade, como ocorreu no processo que o elegeu, para garantir a independência do Legislativo. O interesse também é pessoal, já que a eleição de aliado forte do Centrão pode ajudar a cacifá-lo para o futuro.
As negociações no dia de ontem tiveram um ritmo frenético. Segundo aliados, Elmar tem resistido a abdicar da candidatura. O deputado do União Brasil esteve com Lira em dois momentos, a portas fechada. Ambos não quiseram se manifestar sobre qual será o próximo passo.
O movimento iniciado por Marcos Pereira também deixa, por ora, Antônio Brito (PSD-BA), outro concorrente, em situação desconfortável, assim como o presidente do seu partido, Gilberto Kassab.
Marcos Pereira afirmou ontem ao GLOBO que havia um amplo apoio a favor de Hugo Motta, inclusive do governo e de Lira.
— O presidente Lula não apresentou resistência, disse que não interferiria no processo de escolha da Câmara. Disse que precisava conversar com o Hugo e apenas questionou se ele não era muito novo, por ter 34 anos. Disse a ele que eu era o avalista desta campanha. Já o presidente Lira disse ser uma boa opção e que trabalharia para viabilizar o nome — afirmou Pereira.
Nos últimos dias, Lula e seu núcleo duro haviam entendido que havia espaço para apoiar a candidatura de Marcos Pereira. Lira se reuniu com o presidente da República na noite de 28 agosto, no Palácio do Planalto, com a expectativa de que o presidente vetasse o nome de Elmar Nascimento.
Lula, porém, respondeu que não tinha restrição a Elmar, mas ponderou a Lira ter ouvido relatos de que ele enfrentava algumas resistências na Câmara. Ainda na versão de auxiliares de Lula, foi aí que Lira disse que se Pereira conseguisse apoio do PSD e do MDB poderia ter seu aval para disputar o posto.
Interessado em rifar Elmar, o Planalto entrou em campo e começou a se movimentar para ajudar a viabilizar “um nome que tivesse apoio da maioria dos líderes” para “pacificar tudo”, segundo relato de um auxiliar presidencial.
A partir disso, Lula acionou líderes do PT na Câmara e a cúpula do partido para trabalharem em torno do deputado do Republicanos e da desistência de Antônio Brito e Isnaldo Bulhões (MDB-AL), outro concorrente, ao comando da Câmara em 2025.
Durante as negociações, porém, houve uma reviravolta. Sem conseguir o apoio do PSD de Gilberto Kassab, que negou a retirada do nome de Brito a Lula, Pereira anunciou sua saída da corrida. A manobra foi justificada pelo temor de uma dobradinha entre o União Brasil de Elmar e o PSD, o que escantearia a campanha do Republicanos.
A entrada de Hugo Motta no páreo, portanto, seria uma espécie de “resposta”. Também colocou Lira em uma saia-justa com Elmar — o deputado do PP chegou a dizer a aliados que anunciaria o apoio ao líder nesta semana.
— Elmar é candidato. Se Marcos não se viabilizou não é culpa nossa. Elmar hoje é o candidato mais viável — declarou o presidente do União Brasil, Antônio Rueda.
Para reforçar o nome de Motta, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, atuou nos bastidores para convencer integrantes do Planalto de que a alternativa apresentada por Marcos Pereira era a melhor opção. Foi o ministro, inclusive, que com a decisão de Pereira tomada, viabilizou encontro do presidente do Republicanos com Lula na tarde de ontem.
A reunião foi marcada por questionamentos sobre o seu passado de alinhamento ao ex-comandante da Casa Eduardo Cunha, algoz do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 (veja mais na página 6).
Sem ‘esquecer’ a oposição
Já no encontro com Bolsonaro, que aconteceu pela manhã, Motta ouviu perguntas sobre um eventual alinhamento com a base governista. A reunião ocorreu na casa do senador e presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira. Também esteva presente o filho do ex-presidente Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Motta teria prometido não se esquecer da oposição, e prometeu manter uma postura de “independência e defesa dos interesses da Casa”. Uma ala do PP, principal partido do bloco de Elmar após o União, já admite que o parlamentar é o que tem mais chances de ter o apoio da legenda. Ele é próximo de Ciro Nogueira, bem como do líder da sigla na Câmara, Doutor Luizinho (RJ). Ainda assim, Lira não bateu o martelo sobre o assunto e tenta dialogar com Elmar.
Apesar do bom trânsito com líderes, Elmar costuma ser criticado por não dar atenção à maioria dos deputados. Mesmo com a reviravolta na candidatura do Republicanos, PDT e PSDB sinalizaram que vão manter apoio ao líder do União Brasil.
Reuniões decisivas
- Candidatura mantida: Presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab também se reuniu com o presidente Lula na terça-feira para reafirmar a candidatura de Antônio Brito (PSD-BA) à presidência da Câmara. Durante o encontro no Palácio do Planalto, Lula disse a Kassab que é necessário construir um consenso em torno de uma só candidatura.
- Sabatina informal: Hugo Motta se encontrou ontem com o presidente Lula. A reunião foi marcada por questionamentos sobre o seu passado de alinhado ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, artífice do impeachment de Dilma Rousseff. O presidente ficou preocupado com a idade de Hugo Motta, que tem 34 anos, considerando-o um parlamentar novo.
- Conversa difícil: Arthur Lira e Elmar Nascimento se reuniram duas vezes. Na noite de terça-feira, Lira esteve a sós com Elmar e, segundo o colunista Lauro Jardim, foi uma conversa difícil. Lira vinha de um encontro com Marcos Pereira, que lhe comunicara sua desistência em se candidatar à presidência da Câmara. Abrira mão da disputa em favor de Hugo Motta.
- Saída da disputa: Marcos Pereira comunicou Lula de sua desistência de concorrer à presidência da Câmara na tarde terça-feira. O deputado do Republicanos alegou não ter conseguido construir uma unidade em torno do seu nome para o cargo. Pereira disse ainda a Lula que era o avalista da campanha de Motta, após o presidente fazer ponderações.
VEJA TAMBÉM