O que acontece com a Sabesp agora que o projeto de privatização foi aprovado na Alesp?

08/12/2023

Fonte: Por Lívia Machado, g1 SP — São Paulo

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Deputados aprovaram privatização de uma das maiores companhias de saneamento do mundo. Mas o projeto de privatização também precisa, obrigatoriamente, passar pela Câmara de São Paulo. Ele terá que ser aprovado pelos vereadores, uma vez que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia.

A resposta imediata à pergunta do título seria: por enquanto, nada. Aprovado na Assembleia Legislativa (Alesp) na noite desta quarta-feira (6), o projeto de lei de privatização da Sabesp precisa ser sancionado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), autor do texto.

Mas, para ser de fato viabilizado, o projeto de privatização também precisa, obrigatoriamente, passar pela Câmara de São Paulo.

Ele terá que ser aprovado pelos vereadores, uma vez que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia.

Pela lei municipal, qualquer mudança no controle acionário da Sabesp faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade.

Além de São Paulo, o governador afirmou que também conversará com os demais 374 municípios atendidos pela Sabesp para a renovação do contrato de concessão até 2060, "garantindo a inclusão dos mais pobres e os investimentos necessários para a universalização".

Na prática, ainda que sancionada, a privatização não deverá sair do papel antes do primeiro semestre de 2024.

Poucas ou nenhuma empresa teria interesse de comprar a Sabesp sem a fatia da capital.

"Os agentes econômicos, as empresas que quiserem se associar a Sabesp vão ter um prejuízo enorme, porque São Paulo representa 44% do faturamento da Sabesp, que inviabiliza na prática. Agora o projeto de lei ele vai ser aprovado, fica autorizada a privatização, mas ela perde fôlego, perde importância no processo", diz o vereador Celso Giannazi (PSOL).

 

  • O governo de São Paulo até pode abrir edital, mas para que o saneamento da cidade de São Paulo faça parte, a lei municipal precisa ser alterada pelos vereadores na Câmara.

 

Pela lei municipal atual, o contrato entre a cidade de São Paulo se desfaz automaticamente com a mudança no controle acionário, ou seja, com a privatização.

"Art. 2º. Os ajustes que vierem a ser celebrados pelo Poder Executivo, com base na autorização constante do 'caput' do art. 1º, serão automaticamente extintos se o Estado vier a transferir o controle acionário da SABESP à iniciativa privada", diz o artigo que rompe o contrato.

  • Uma vez desfeito, a capital terá que criar uma nova empresa de saneamento.
  • A Sabesp deixa de fazer esse serviço.
  • Atualmente, o tema está apena em discussão no legislativo municipal.

 


Nesta quinta, está marcada uma audiência pública para falar sobre os rumos do saneamento da capital diante da privatização da Sabesp.

Após a aprovação do orçamento municipal em primeira votação, o presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (União Brasil), orientou que fosse incluída, antes do texto ir para a segunda votação, uma rubrica com a previsão orçamentária para criar uma empresa de saneamento para a cidade, caso seja necessário.

Outro caminho é alterar a lei e permitir que o serviço seja privatizado. Tudo isso ainda precisa ser articulado na Casa para que o projeto de Tarcísio, de fato, saia do papel.

Vereadores da oposição falaram ao g1 que não vão aprovar o orçamento sem que seja incluído recurso para que a cidade assuma o serviço de saneamento.

"Vamos lutar para que o orçamento tenha a rubrica de previsão para a criação de uma empresa de saneamento. Achamos que o saneamento tem que ser gerenciado por uma empresa pública", disse Silvia Ferraro (PSOL), da bancada feminista.

 

Questionada na Justiça

 

A privatização da Sabesp ainda pode ser questionada na Justiça. Deputados da oposição questionam o fato de que a privatização está sendo votada como projeto de lei e não como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Para o professor de Direito Administrativo da USP Gustavo Justino de Oliveira, o processo de votação tem “vícios de inconstitucionalidade".

A Constituição do estado de São Paulo determina que os serviços de saneamento básico sejam prestados por concessionária sob controle acionário do estado.

Então, para a desestatização, seria necessário alterar o texto constitucional, já que o processo de venda faria com que o estado perdesse a condição de acionista majoritário.

"A Sabesp é uma empresa essencial ao setor de saneamento no estado mais populoso do país, e uma desestatização às pressas pode ser contraproducente à medida que o rito do PL é muito mais simplificado em detrimento do rito de aprovação de uma PEC", afirma.

De acordo com o parágrafo segundo do artigo 216, "o Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário".

"Caso o projeto seja aprovado, iremos aguardar a sanção do governador para judicializar via Ação Direta de Inconstitucionalidade", diz o deputado Guilherme Cortez (PSOL).

 

Proposta

 

Uma das prioridades da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicano), a proposta foi enviada à Alesp pelo governo em outubro, quando começou a tramitar na Casa.

A privatização da empresa já foi tratada de diferentes formas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Durante a campanha eleitoral, ele defendeu o estudo da proposta, mas, horas após ser eleito, mudou de tom e passou a afirmar que ela seria "a grande privatização do estado”.

O modelo proposto pelo governo paulista prevê investimentos de R$ 66 bilhões até 2029, o que representa R$ 10 bilhões a mais em relação ao atual plano de investimentos da Sabesp, e uma antecipação da universalização do saneamento, de 2033 para 2029.

Os investimentos incluem, além da universalização dos serviços, obras de dessalinização de água, aportes na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, e ainda intervenções de prevenção em mudanças climáticas.

Ações da oposição

 

Três deputados da oposição entraram com ações na Justiça de São Paulo contra o processo de privatização:

 

  • Jorge do Carmo (PT): entrou com uma ação questionando a tramitação em regime de urgência e a convocação de congresso de comissões (quando as comissões pelas quais o projeto tem que passar se reúnem para apreciar o texto juntas). Segundo o questionamento do deputado, pela importância do projeto, ele tinha que ser apreciado obedecendo ao rito parlamentar tradicional, passando comissão por comissão, sem prazo de urgência.
  • Emidio de Souza (PT): entrou com uma ação alegando que a Constituição paulista tem de mudar para acatar a privatização. A constituição do estado (leia acima) determina que o saneamento deve ser ofertado por companhia de controle do estado, a Sabesp. Se ela for privatizada, a constituição tem que mudar. A PEC precisa passar por duas votações, com três quintos dos votos, diferentemente de projeto de lei, que precisa apenas de maioria simples;
  • Guilherme Cortez (PSOL): também questionou o fato de o projeto de lei não ser PEC, além de não tramitar em duas comissões em que deveria tramitar, segundo ele, a de Administração Pública e a de Meio Ambiente (são obrigatórias no mínimo três comissões, e ficou definido que o PL tramitaria na de Constituição e Justiça, na de Infraestrutura e na de Finanças e Orçamento).
  • As três ações foram para o Tribunal de Justiça do estado, mas o TJ não acatou nenhuma delas. Além dessas ações, deputados também entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Ministério Público (MP).

    O PT e o PSOL protocolaram uma ação direta de inconstitucionalidade no STF questionando o decreto do governo do estado que criou novas competências para os conselhos deliberativos das URAEs (Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário).

    Segundo eles, o decreto deu a esses conselhos o poder de alterar detalhes dos contratos da Sabesp com as prefeituras. Um dos pontos importantes da privatização é que em tese ela implica no rompimento automático do contrato com as prefeituras. A alteração das competências das URAEs, portanto, permitiria ao governo renegociar esses contratos via URAEs, sem que cada município renegocie individualmente.

    A ação está a cargo do ministro André Mendonça no Supremo, indicado de Bolsonaro ao STF. Mendonça teve uma derrota política para Tarcísio em setembro. O ministro indicou uma pessoa para uma vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas perdeu a disputa para o indicado do governador, Marco Bertaiolli (PSD).

    A Bancada do PSOL também protocolou uma denúncia no MP contra o presidente da Sabesp, André Salcedo. Segundo eles, existe um conflito de interesse no processo de privatização.

  • Sabesp

     

    A Sabesp é uma empresa de economia mista, ou seja, o controle é do estado, que tem 50,3% do seu capital social, mas outra parte é negociada em ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e Nova York. Sua oferta inicial pública de ações (IPO, na sigla em inglês) foi feita em 2002.

    Ela é considerada uma das maiores companhias de saneamento do mundo e atende 375 municípios paulistas, onde vivem 28,4 milhões de pessoas.

    Já foi finalista de premiações, como o “Global Water Awards”, e é reconhecida internacionalmente pela contribuição significativa para o desenvolvimento internacional do setor de água.

    Também presta serviços de água e esgoto em parceria com empresas privadas para outros quatro municípios paulistas: Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque.

    É composta por mais de 12 mil funcionários e tem valor de mercado estimado em R$ 39 bilhões. No ano passado, anunciou lucro de R$ 3,12 bilhões, 35% superior aos R$ 2,3 bilhões de 2021.