O poder do relator do Orçamento

05/03/2020

Por Cristiana Lôbo Jornalista, acompanha de perto os bastidores do governo e a política brasileira. Comentarista do 'Jornal das Dez', da GloboNews

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O deputado Domingos Neto, relator do Orçamento de 2020 — Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Enquanto o comando da sessão do Congresso articulava a manutenção do veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que tratava de orçamento "impositivo", pressuposto para aprovar projetos do presidente e restabelecer o poder do Congresso sobre o orçamento, no fundão do plenário senadores e deputados levantavam dúvidas sobre o poder do relator do Orçamento de determinar a destinação de R$ 19 bilhões, além das emendas parlamentares que somam R$ 15 bilhões.

É que a Comissão de Orçamento que elegeu o senador Marcelo de Castro (MDB-PI) presidente e Domingos Neto (PSD-CE), relator, se dissolveu no ano passado, quando foi aprovada a Lei Orçamentária Anual.

"Como pode o relator do orçamento assinar emendas nesse valor, se ele não é mais relator? E a Comissão de Orçamento de 2020, que vai tratar do orçamento de 2021, será instalada em dez dias e elegerá novo presidente e novo relator do Orçamento?". A questão foi levantada por um senador, para espanto dos colegas. A dúvida havia sido levantada por assessores técnicos do Senado.

O próprio Domingos Neto explica o poder do relator sobre o orçamento: "A Lei Orçamentária não fala em emenda do relator e sim em emenda do autor". Foi a forma encontrada por ele para se esquivar do questionamento sobre o seu poder de determinar o destino de R$ 19 bilhões em emendas do Congresso ao orçamento. Por onde anda, Domingos Neto é abordado por colegas que sempre pedem uma conversa "logo mais".

Nos minutos em que conversava com o blog no cafezinho da Câmara, Domingos Neto foi interrompido por quase uma dezena de parlamentares que queriam apenas um abraço ou marcar uma conversa para mais adiante. Ele esteve sempre sorridente e solícito.

Para tentar reduzir a impressão geral de que é o "poderoso do orçamento", Domingos Neto disse que o poder não é só dele. "Para chegar aqui, teve muita conversa. E nós representamos muitos partidos e muitas pessoas", disse. Ele não citou o chamado "Centrão" nem os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

O discurso deles foi afinado. Todos falam que as emendas do relator, agora "emendas do autor", dão transparência ao orçamento e tentam mostrar que o poder não é tanto assim.

Em anos anteriores, eles lembram, o relator do orçamento apresentou emendas que somaram até R$ 70 bilhões. Eles só não tratam da diferença de situação: antes, o orçamento era autorizativo ou "uma peça de ficção", como eles dizem. Agora é impositivo. O governo tem de cumprir.

O chamado "fundão do plenário", onde parlamentares ficam horas e horas à espera das votações, é também lugar para muitas articulações e também para críticas ao governo. Numa roda dessas de conversas, senadores avaliavam o que chamaram de "incoerência e oportunismo" do presidente Bolsonaro, como disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Com a concordância de Alessandro Vieira (Cidadania-SE), ele dizia que os projetos de lei enviados por Bolsonaro como resultado do acordo com o Congresso restabelecem as mesmas normas e valores de distribuição do orçamento que estavam no Orçamento.

"O presidente chegou a postar vídeo para estimular manifestações populares contra o Congresso; o general Heleno disse que aquilo era chantagem do Congresso e agora faz o mesmo e restabelece os mesmos valores para as emendas do Congresso, dos deputados e senadores e também do relator", disse Alessandro Vieira.

Randolfe Rodrigues revelou que a estratégia da oposição seria obstruir para impedir a aprovação dos projetos ou conquistar votos para derrubar os projetos, o que faria desmoronar o acordo firmado por Bolsonaro com os líderes e comandantes do Congresso. Só que o governo não aceita falar em acordo. Disse que é um entendimento