O último ato de Barroso: entenda o julgamento sobre aborto, pausado após voto do ministro agora oficialmente fora do STF
20/10/2025

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Placar agora é de dois votos a zero para que deixe de ser crime a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação
Na véspera de se aposentar do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso decidiu votar na sexta-feira a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação em uma sessão extraordinária no plenário virtual, convocada a pedido dele pelo presidente da Corte, Edson Fachin. Logo em seguida, no entanto, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque e interrompeu a análise do processo, que precisará ser apreciado no plenário físico e não tem data para ser concluído.
O placar agora é de dois votos a zero para que deixe de ser crime a interrupção da gravidez nesse prazo. Para marcar posição, Barroso repetiu um gesto de Rosa Weber, que também se manifestou pela descriminalização do aborto pouco antes de se aposentador do cargo, em 2023. A ministra foi a relatora da ação, que tramita desde 2017 no tribunal, função assumida em seguida pelo ministro Flávio Dino.
Na sexta-feira, o relator determinou a retirada de pauta do caso. Isso significa que, para o julgamento ser retomado no plenário físico, primeiro terá que ser liberado por Dino. Depois, cabe ao presidente do Supremo, Edson Fachin, definir uma data.
Ao registrar seu entendimento, Barroso evitou ainda um voto de seu sucessor no cargo — no momento, o ministro Jorge Messias, chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), é o favorito para a indicação que será feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No voto de sexta-feira , o ministro defendeu que a “interrupção da gestação deve ser tratada como uma questão de saúde pública, não de direito penal”. Para Barroso, “a discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto”, mas “definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa”.
Pena a mulheres pobres
Barroso também argumentou, na decisão, que a criminalização do aborto “penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados” e ressaltou que “praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo adota como política pública” a proibição.
Como Rosa Weber, o ministro enfatizou ainda a autonomia das mulheres para decidirem sobre o procedimento. “As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais”, escreveu Barroso.
Também na sexta-feira , Barroso deu decisões liminares em outras duas ações, autorizando profissionais de enfermagem a prestarem auxílio na realização de abortos, nos casos permitidos por lei e determinando que esses profissionais e técnicos de enfermagem não podem ser punidos pela prática. Essas determinações ainda serão analisadas pelo plenário virtual. Na noite de sexta-feira , os ministros Gilmar Mendes e Cristiano Zanin apresentaram seus votos nessas duas ações e divergiram de Barroso, alegando não haver urgência.
Barroso ainda estabeleceu que órgãos públicos de saúde não podem criar “óbices não previstos em lei para a realização do aborto lícito”, como no caso de interrupção da gravidez por estupro. Nessa hipótese, fica vedada a imposição de qualquer restrição relacionada ao período de gestação para o procedimento e a exigência de registro de ocorrência policial.
Em seguida, Fachin abriu duas sessões extraordinárias do plenário virtual para que essas duas decisões sejam analisadas. O julgamento começou na noite desta sexta-feira e vai até o dia 24.
A ação que está sendo analisado foi apresentada em 2017 pelo PSOL, questionando dois crimes previstos no Código Penal: o aborto provocado pela própria gestante e o provocado por um terceiro, com o consentimento dela. O partido considera que a interrupção da gravidez nas 12 primeiras semanas não deve ser enquadrada nesses tipos penais, porque não seria compatível com a Constituição.
O partido alega que a proibição viola a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, por afetar desproporcionalmente mulheres pobres. A legenda ainda apontou um desrespeito ao direito à saúde e ao planejamento familiar, entre outras alegações.
Hoje, a lei só garante o direito ao aborto para salvar a vida da grávida, ou quando a gestação é fruto de um estupro. Em 2012, uma decisão do STF também garantiu a medida no caso de fetos anencéfalos.
‘Violência institucional’
O processo ficou praticamente paralisado na Corte até a então relatora, Rosa Weber, votar em 2023. Na ocasião, a ministra entendeu que a criminalização do procedimento “não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas que envolvem o aborto”, destacou que “a maternidade é escolha, não obrigação coercitiva”, e classificou a criminalização como uma forma de violência institucional contra as mulheres.
Na época, após a manifestação da relatora, Barroso retirou o caso do plenário virtual ao pedir destaque. O movimento foi combinado com a ministra e suspendeu, na prática, o julgamento. Na sexta-feira, Barroso cancelou o destaque, o que liberou o retorno do julgamento virtual. Logo depois, solicitou a Fachin a abertura da sessão extraordinária.
Nos dois anos de sua gestão, Barroso repetiu diversas vezes que é favorável à descriminalização do aborto, mas que não pautava o caso por considerar que o debate não estava “maduro” o suficiente na sociedade.
O ministro deixou a presidência do STF no fim de setembro e, na semana passada, anunciou a decisão de antecipar sua aposentadoria. Logo após o anúncio, Barroso afirmou que ainda não havia decidido se iria votar na ação antes de se aposentar, por temer um “ambiente ainda mais turbulento”.
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