Epidemia da Fome: Trabalhadores informais do Rio já sofrem com a falta de renda
02/04/2020
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RIO - A vida sempre foi uma batalha para o mototaxista Victor Fernando Pacheco, de 32 anos. Mas jamais imaginou que chegaria ao ponto de sair de casa sem o café da manhã e, às vezes, passar o dia só com uma refeição para que seu pai, de 60, tenha o que comer à noite. Morador do Vidigal, na Zona Sul do Rio, ele é um dos milhões de brasileiros que trabalham hoje para garantir o pão de amanhã e que, de uma hora para outra, viram sua renda despencar ou zerar devido à pandemia de coronavírus. Victor Fernando continua subindo e descendo o morro com passageiros, porém o movimento caiu e já faltam itens essenciais na despensa e na geladeira de sua casa.
Hoje, o mototaxista aguarda com ansiedade as doações de cestas básicas à comunidade. Ele cobra que se acelere o pagamento do auxílio de R$ 600 sancionado nesta quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro a trabalhadores informais, que somam 2,8 milhões de pessoas só no Estado do Rio, segundo dados divulgados pelo IBGE em fevereiro.
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— Passávamos por dificuldades financeiras, mas nunca vivemos essa escassez. Com o pouco que temos, prefiro que meu pai se alimente do que eu. Ele é pedreiro, está sem trabalho, e é totalmente dependente de mim. Devido à idade dele, é melhor que ele coma bem, para manter uma boa imunidade — diz Victor Fernando, que já integrou o grupo de teatro Nós no Morro e fez participações em filmes como “Cidade dos Homens”.
Busca por doações
O movimento no ponto onde ele trabalha caiu cerca de 90%. Dos 250 mototaxistas da favela, estima a associação local da categoria, quase cem pararam de rodar, por medo da Covid-19 ou porque os gastos com gasolina, por exemplo, não compensam. Se antes dava para conseguir até R$ 2 mil por mês, agora R$ 700 é lucro.
— Pago R$ 600 de aluguel e pensão para três filhos. Continuo trabalhando porque, se não, passo fome. Não aguento mais comer salsicha e ovo — diz outro mototaxista, Maurício dos Santos Fernandes, de 26 anos.
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A favela é uma das que estão na fila para receber apoio da Ação da Cidadania, fundada em 1993 pelo sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, para o combate à fome. Diretor-executivo do movimento social, Kiko Afonso conta que, nas últimas semanas, os pedidos de socorro se multiplicaram:
— Nossa meta é chegar a cem mil famílias atendidas. Nem na época do Betinho se viu uma realidade tão preocupante quanto a atual.
Uma pesquisa do Instituto Data Favela, como parte de uma campanha capitaneada pela Central Únicas das Favelas (Cufa), mostrou que 78% dos entrevistados em comunidades de todo o país conhecem alguém que já experimenta uma diminuição de renda por conta da pandemia. E quase nove entre dez moradores responderam que terão dificuldades para comprar comida caso fiquem em casa sem trabalhar.
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Os reflexos dessa crise podem ser vistos na Ceasa, na Zona Norte do Rio, cercada por 18 comunidades. Todos os dias à tarde, um número crescente de pessoas cata restos das frutas, verduras e legumes. Lá não é o único lugar, no entanto, onde as consequências do empobrecimento são expostas. Na porta de alguns supermercados da Zona Sul do Rio, houve um aumento de pessoas pedindo alimentos. Até quem trabalha com comida teme ficar sem ter o que pôr no prato. Dona Maria Almeida, moradora do Morro Azul, no Flamengo, entrega quentinhas na região do Largo do Machado. O número de refeições vendidas caiu de 80 para de 15 a 20 por dia.
— Tenho dois filhos para criar, e temo que a mesa fique vazia — disse.
O cenário tem feito crescer as filas para ganhar donativos. A procura por doações na Fundação São Martinho, que trabalha com atividades para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, aumentou 300% nos últimos dias. Algo parecido é observado por Heli Ferreira, de 54 anos, voluntário que diariamente distribui café da manhã o Centro do Rio. Morador da Ilha de Paquetá, ele conta que, da semana passada para cá, o crescimento de pessoas na fila foi de 50%.
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— Pessoas que nunca estiveram na aqui agora fazem parte desse grupo de necessitados. Percebi pessoas preparadas, com diplomas, na fila. Passamos a servir 400 refeições — contou. — É de cortar o coração.
Só feijão
Numa viela da Rocinha, o cheio forte de mofo toma o cômodo simples onde moram Talita Silva Gomes, de 25 anos, e seus três filhos, de 8,7 e 6 anos. Eles dividem o barraco, que não tem portas e muito menos janelas. Ali, a fome já chegou. Por causa do coronavírus, ela não consegue arrumar mais os “bicos” que fazia para completar os R$ 200 que recebe do Bolsa Família. Ontem, ela só tinha um pote de feijão, que ficou apenas para as crianças.
— Todos os meus filhos têm bronquite. Se forem infectados, posso acabar perdendo um deles — disse Talita, sentada na cama de solteiro onde dormem todos juntos.
A tábua de salvação de Talita era a irmã dela, a diarista Marla Silva Gomes, de 25, que foi demitida durante a pandemia.
— Nossa vida é tão difícil que tem dia em que a gente pensa em fazer alguma loucura. Mas, temos que confiar em Deus e seguir.
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