Cid afirma no STF que calculou dinheiro recebido de Braga Netto na trama golpista a partir do 'peso da sacola' de vinho
25/06/2025

COMPARTILHE
Atas da acareação foram divulgadas pela Corte; ex-ministro afirmou que tenente-coronel 'faltou com a verdade'
O tenente-coronel Mauro Cid afirmou em acareação no Supremo Tribunal Federal (STF) com o ex-ministro Walter Braga Netto que calculou a quantia de dinheiro que teria sido entregue a ele pelo general a partir do "peso da sacola" de vinho, na qual os valores teriam sido repassados.
Segundo Cid, o recolhimento do dinheiro foi consequência de negociações iniciadas em reunião na casa de Braga Netto, no dia 12 de novembro de 2022, da qual o delator teria saído mais cedo. Esses diálogos teriam ocorrido no contexto da empreitada para tentar reverter a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.
"O réu colaborador disse que teria calculado o valor aproximado pelo peso da sacola, mas que em momento algum ela foi aberta", diz a ata da acareação divulgada pela Corte.
Braga Netto, contudo, manteve a sua versão de que "jamais entregou qualquer quantia em dinheiro" ao tenente-coronel.
O relato dos dois réus converge em apenas um ponto: inicialmente, Cid procurou Braga Netto em busca de recursos, e o ex-ministro orientou que ele falasse com o tesoureiro do PL, Marcelo Azevedo. O tesoureiro, contudo, teria dito que não poderia oferecer qualquer quantia.
A divergência começa aí: Cid afirma que Braga Neto disse que conseguiria o dinheiro de outra forma, e depois fez a entrega no Alvorada, enquanto o ex-ministro nega que isso tenha ocorrido.
"O réu colaborador reafirma que o réu Braga Netto lhe disse que tentaria obter essa quantia de outro modo e que, posteriormente, teria entregue determinada quantia em dinheiro dentro de uma sacola de vinhos no Palácio da Alvorada. Por sua vez, o réu Braga Netto reafirma que, após a negativa do tesoureiro do PL não tratou mais desse assunto e que jamais entregou qualquer quantia em dinheiro para o réu colaborador", registra a ata.
Cid afirmou que a sacola de vinho estava lacrada e que, por isso, não viu o dinheiro.
"Indagado pelo advogado do réu Braga Netto, se a sacola de vinho estaria lacrada ou aberta, o réu colaborador Mauro CID reiterou que estaria lacrada e portanto não chegou a ver o dinheiro", diz o documento do STF.
'Não dei dinheiro para ninguém', disse ex-ministro
Há duas semanas, durante interrogatório no STF, Braga Netto já havia negado ter repassado o dinheiro.
— Eu não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro para ninguém — afirmou o ex-ministro, na ocasião.
No interrogatório, ele reconheceu que chegou a dialogar sobre dinheiro durante o período com Cid. Na sua "cabeça", porém, seriam valores sobre campanha eleitoral — Braga Netto foi vice na chapar de Jair Bolsonaro.
— (Então) falo (ao Cid) assim: "Procura o Azevedo, procura o tesoureiro (do PL)", que era o Azevedo. Eu deixei com o Azevedo, porque eu não sabia (para) o que era (o dinheiro). (Cid) procurou Azevedo. O Azevedo veio mais tarde para mim e falou assim: "General, o dinheiro que o Cid quer, está precisando, nós não temos amparo para dar". Então, eu falei: "Morre o assunto". E morreu o assunto.
Na versão de Cid em depoimento à Polícia Federal (PF), o dinheiro entregue por Braga Netto teria sido arrumado com "o pessoal do agronegócio".
— Eu não tinha, como disse ao senhor (Alexandre de Moraes), contato com empresários. Então, eu não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro nenhum para o Cid — afirmou o general.
Já Cid afirmou que na reunião do dia 12 de novembro, antes de deixar o local a pedido de Braga Netto, os presentes estavam "basicamente insatisfeitos com o rumo do processo eleitoral, insatisfeitos com o rumo que até as Forças Armadas estavam tratando esses assuntos".
— Foi incialmente uma conversa nesse nível, incialmente desse nível, o que poderia ser feito, o que deveria ser feito. Sempre nessa toada.
Cid ressalta que não ouviu um planejamento específico ou a "apresentação formal" de alguma ação.
Dois dias depois, o major Rafael de Oliveira, a par dos debates, teria dito, segundo Cid, estar "sem recursos". Cid disse então que "ia ver se conseguiria o dinheiro". Foi aí que teria procurado Braga Netto novamente.
— Falei: "General, eu não sei o que foi conversado aí, mas eles estão precisando de dinheiro".
Braga Netto, então teria dito que havia a hipótese de o partido bancar esses recursos. Foi neste momento, segundo Cid, que o general teria enviado um documento chamado "Copa 2022", pelo celular, que previa, nas palavras de Cid, o valor de R$ 100 mil e recursos para "hotel, carro e passagem aérea" em Brasília.
— Eu achava que ele queria encorpar as manifestações, trazer grupos de motoqueiros, para encorpar e ter um pessoal conhecido na mão, digamos assim.
Cid então diz que teria procurado do tesoureiro do PL, que negou a destinação de recursos.
— Aí eu voltei no Braga Netto e ele me falou: "Vou dar um jeito, vou tentar por outros caminhos" — disse Cid, que prosseguiu: — Talvez uma ou duas semanas depois, o Braga Netto me entrega o dinheiro.
"A contradição entre os réus permanece, uma vez que, o réu colaborador reafirma que o réu Braga Netto lhe disse que tentaria obter essa quantia de outro modo em que, posteriormente, teria entregue determinada quantia em dinheiro dentro de uma sacola de vinhos no Palácio do Alvorada. Por sua vez, o réu Braga Netto reafirma que, após a negativa do tesoureiro do PL não tratou mais desse assunto e que jamais entregou qualquer quantia em dinheiro para o réu colaborador", afirma a ata.
— O general Braga Netto chamou de mentiroso em duas oportunidades o senhor Mauro Cid, que permaneceu durante todo o ato com a cabeça baixa. Ele (Cid) não retrucou quando teve a oportunidade de falar (...). Mauro Cid se contradisse mais ainda. Estava constrangido, de cabeça baixa — disse o advogado José Luis de Oliveira, o Juca, que defende Braga Netto, ao sair do Supremo.
O advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, também afirmou que Cid mentiu durante a acareação.
— O delator fez o que ele tem feito reiteradamente. Ele mentiu e, ao meu ver, foi desmoralizado — disse.
Já a advogada Vânia Bitencourt, que defende o tenente-coronel junto com César Bitencourt e Jair Alves Pereira, negou contradição por parte do seu cliente:
— Cid não se contradisse, manteve as mesmas versões, foram só dois pontos controvertidos. Se ele viu o Cid de cabeça baixa, eu não vi e eu estava do lado do Cid.
A acareação chegou ao fim pouco depois do meio-dia, após quase duas horas. A audiência foi conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, e teve a participação do ministro Luiz Fux e do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Na sequência, o também ex-ministro Anderson Torres confrontou o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes. As acareações foram pedidas pelas defesas de Braga Netto e Torres e têm como objetivo esclarecer contradições entre os relatos. As sessões não foram gravadas, mas as atas foram divulgadas.
Divergências
A defesa de Braga Netto apontou ao STF duas divergências entre os depoimentos do general e os de Mauro Cid: sobre uma reunião ocorrida em sua casa, em novembro de 2022, e sobre a suposta entrega de dinheiro que ele teria feito ao tenente-coronel.
Nesta terça-feira, Juca afirmou que Cid continua se contradizendo em relação ao local da suposta entrega de dinheiro.
— Agora ele trouxe um terceiro lugar que poderia ter sido entregue o dinheiro. Aí uma hora eu perguntei: "mas o senhor tem prova disso? Cadê a prova da entrega do dinheiro?". Aliás, ele não tem prova de nada.
De acordo com Juca, os três locais seriam duas garagens do Palácio da Alvorada, a sala dos ajudantes de ordens, posição que Cid ocupava na época.
Em seu interrogatório no STF, há duas semanas, o tenente-coronel afirmou que não se lembrava de onde o dinheiro teria sido entregue:
— O local efetivo eu não me lembro, talvez, na garagem ou ali no corredor, na sala dos ajudantes de ordens ali, mas eu lembro que o que me marcou foi que eu peguei e até escondi pra deixar embaixo da mesa, perto do meu pé ali, pra ninguém mexer.
Já a acareação entre Torres e Freire Gomes focou na participação ou não do ex-titular da Justiça em reuniões no Palácio da Alvorada em que o ex-presidente Jair Bolsonaro apresentou medidas para reverter o resultado da eleição de 2022.
As acareações ocorreram na sala de audiências do STF, em um dos anexos da Corte, de forma fechada.
O relator, Alexandre de Moraes, conduziu as audiencias, com a presença de Gonet. O procedimento está previsto no Código de Processo Penal para quando houver divergências sobre “fatos ou circunstâncias relevantes” entre os relatos de investigados e testemunhas.
VEJA TAMBÉM