Aulas na escola alvo de ataque na Zona Leste serão suspensas por dez dias, e governo volta a prometer psicólogos; atirador não teve atendimento
24/10/2023

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Atualmente, 550 psicólogos atendem cerca de 5 mil escolas no estado. Tarcísio disse que vai contratar mais. Thomazia Montoro, escola alvo de ataque em março, ficou 5 meses sem psicólogo.
As aulas na Escola Estadual Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo, onde uma aluna morreu e outros três ficaram feridos após um ataque a tiros, serão suspensas por dez dias, anunciou o governo de São Paulo durante coletiva nesta segunda-feira (23).
O secretário da Educação, Renato Feder, voltou a prometer mais psicólogos nas escolas. Como o g1 revelou, a escola Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste de São Paulo, ficou sem psicólogos disponíveis para o atendimento de professores e alunos na unidade escolar cinco meses após o ataque, mesmo após promessa do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em março, uma professora foi morta e outras quatro pessoas ficaram feridas na Thomazia.
Segundo dados repassados anteriormente pelo governo, 550 psicólogos atendem as cerca de 5 mil escolas da rede estadual de educação de São Paulo. Tarcísio disse que vai fazer um aditivo nesse contrato.
"Num primeiro momento, a gente vai aproveitar o contrato que nós já temos e aditivar, que é o caminho mais rápido, então a gente traz mais psicólogos para dentro para dar mais assistência à rede. Isso é rápido", disse em coletiva.
O governador afirmou que, no último mês, houve 15 atendimentos psicológicos na escola, que tem cerca de 1,8 mil alunos. O atirador desta segunda-feira, que já tinha registrado um boletim de ocorrência por violência e apanhou em junho, não passou por atendimento psicológico.
"É momento de fazer uma profunda reflexão sobre a efetividade daquilo que a gente tem colocado em prática desde a ocorrência de março, na Thomazia", afirmou Tarcísio.
'Rever tudo o que a gente está fazendo'
Para Tarcísio de Freitas, há a necessidade de "rever, de voltar, de rever tudo o que a gente está fazendo para que evite novas ocorrências". O governador contou que a escola passou por treinamento contra agressão ativa na comunidade, mas que, ainda assim, não foi suficiente.
"O sentimento que fica, além do sentimento de tristeza, é de frustração. A gente se sente frustrado, incapaz e impotente de lidar com esse tipo de situação. Vamos ter uma reunião agora da Seduc com a SSP para ver que medidas a mais nós podemos tomar para evitar novos incidentes desta natureza", afirmou Tarcísio.
Segundo ele, desde março deste ano, 165 tentativas ou suspeitas de ataques a escolas foram frustradas. "Em algumas situações, a gente chegou a recorrer ao Judiciário para ter operação de busca e apreensão, apreendemos armamento, mas é aquilo, por mais que você evite uma série de ocorrências, quando uma você não consegue evitar, quando você falha, fica a dor", disse o governador.
Renato Feder, secretário estadual da Educação, afirmou que, em junho deste ano, houve um "episódio" com o aluno autor do ataque desta segunda (23) e que os pais foram chamados para conversar. No entanto, naquele momento, não havia profissionais de psicologia na unidade escolar: "O estresse que foi divulgado foi no mês de junho. Os psicólogos chegaram em agosto e não identificaram isso".
Poucos psicólogos
O número de psicólogos disponíveis para atendimento presencial na rede estadual de educação em São Paulo deveria ser de 1.100 profissionais — e não de 550, como foi anunciado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc).
A avaliação é da psicóloga Valéria Campinas Braunstein, que é conselheira do Conselho Regional de Psicologia de SP e doutora em educação e saúde na infância e adolescência pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
No final de agosto deste ano, 368 psicólogos começaram a frequentar escolas estaduais. Os profissionais fizeram, inicialmente, uma imersão na rede escolar e, a partir de 4 de setembro, passaram a lidar diretamente com as comunidades escolares, informou a Seduc. Os outros 182 profissionais começaram a trabalhar ao longo de setembro.
O governo disse que cada psicólogo deveria atender oito escolas, em média. O número pode variar de acordo com a demanda e a quantidade de alunos de cada unidade de ensino.
Segundo Valéria, a carga horária de 30 horas semanais por psicólogo não será suficiente para atender a demanda da comunidade escolar.
"Um psicólogo para esta rede deste tamanho, neste momento, acho que não dá. Depois que as coisas se equilibram, você pode diminuir um pouco", afirmou Valéria ao g1.
O g1 esteve na Escola Estadual Thomazia Montoro, alvo de ataque em março, e foi informado por professores e alunos que uma psicóloga esteve no colégio, mas não chegou a ser apresentada à comunidade escolar (leia mais abaixo).
Em nota, a Seduc informou que "368 psicólogos começaram a trabalhar para atender alunos e professores da rede estadual de ensino. Na E.E. Thomazia Montoro, nove professores e servidores foram atendidos nesse primeiro dia. Todos participaram de atividades em grupo sob a coordenação da profissional, que seguirá uma programação na unidade ao longo dos próximos dias a fim de ampliar os atendimentos".
Disse ainda que "em relação ao atendimento na E.E Thomazia Montoro, esclarecemos que, desde o ataque no fim de março, equipes do Programa Conviva realizam visitas semanais a unidade para acolher e atender alunos, professores e servidores".
'Dois psicólogos para cada escola'
"Teriam que ser dois psicólogos de 6 horas para cada escola, minimamente. Com toda essa demanda, quem vai ter um problema de afastamento de saúde mental será o psicólogo. Ou ele entra para somar ou ele entra para dividir toda a tristeza que acontece dentro da escola", apontou Valéria.
A professora, que atua 8 horas por semana em uma escola particular de educação infantil, considera que sua carga ainda é baixa, mesmo se tratando de um público de classe média alta, "que tem rede própria de saúde, de assistência".
"Que dirá numa escola pública que já tem tantas questões, que carrega a nossa população mais vulnerável, todas as questões da própria escola... É de uma valentia o que eles fazem no dia a dia. Essa valentia não é nem bem remunerada nem reconhecida, muito menos cuidada", destacou.
Ela defende, ainda, a contratação de profissionais de serviço social para atuação em conjunto com os psicólogos.
Suspensão precoce do atendimento psicológico na Thomazia Montoro
Para Valéria Braunstein, o atendimento psicológico de forma presencial na Thomazia Montoro não deveria ter sido suspenso em junho, pouco menos de três meses após o ataque.
"Deveria ter tido uma continuidade. Três meses me parece pouco. Você trabalha com a população e, dali, aumenta-se uma demanda. Essa demanda foi parar onde? Precisava imediatamente ter inserido psicólogo lá".
"Cuida dessa escola. Depois, você diminui, fica um só, e aí vamos ver como vai funcionando a rede. Hoje em dia, é tratar de uma rede doente. Amanhã, manter essa rede saudável e, depois de amanhã, manter essa rede em prol do desenvolvimento humano. É isso que a gente precisa, né?".
Valéria citou o exemplo da professora Rita de Cássia, uma das vítimas do ataque. Ela tentou voltar a lecionar, mas não conseguiu e, desde abril, está afastada da função.
"De fato, uma pessoa que precisava ter sido cuidada — e não uma vez por semana, talvez. O profissional precisava ter avaliado e talvez ela precisasse, primeiramente, ter um auxílio diário, três vezes por semana, duas vezes por semana, até que o psicólogo conseguisse trabalhar com ela neste caso, porque realmente é uma pessoa que me pareceu muito mobilizada, traumatizada", apontou.
"É muito séria a falta de cuidado numa situação traumática, seja ela individual ou coletiva, porque as consequências disso vão se desenrolando no decorrer da vida", continuou.
"Parece que a gente vai vivendo traumas e vai naturalizando esses traumas, isso é um perigo para a sociedade como um todo. Como a gente vai naturalizando essa situações... ‘Ah, aconteceu no Thomazia, aconteceu em Aracruz, em Montemor, então nós vamos aumentando a frequência dessas situações. Essas situações que deveriam ser vistas como uma tragédia, passam a ser vistas como naturalizadas, a ser olhadas pela população como não mais sendo algo traumático".
'Legislação não tem sido colocada em prática'
Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos da infância e juventude, informou que está em vigor a lei federal 13.935/2019, que prevê serviços de psicologia e de serviço social na rede pública de educação básica a fim de "atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais".
No entanto, segundo o ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a legislação não tem sido colocada em prática. "Precisam ser realizados concursos públicos nas redes municipais e estaduais para a contratação desses profissionais", apontou ao g1.
Ariel também lembrou da lei federal 13.431/2017, que estabelece os direitos das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
O artigo 5º da lei, que está em vigor desde 2018, diz que que sua aplicação terá como base os direitos da criança e do adolescente a:
- Receber assistência qualificada jurídica e psicossocial especializada, que facilite a sua participação e o resguarde contra comportamento inadequado adotado pelos demais órgãos atuantes no processo;
- Ser assistido por profissional capacitado e conhecer os profissionais que participam dos procedimentos de escuta especializada e depoimento especial.
"Governos federal e estadual trataram do tema. De efetivo, nada", concluiu Ariel.
Licitação
A gestão Tarcísio alega que a demora na contratação ocorreu por conta dos períodos do processo de licitação.
"A gente teve um conjunto de psicólogos que já estava no dia seguinte [do atentado] à disposição de toda a equipe. Houve uma medida imediata dentro da escola para atender alunos e professores. Esse processo durou todo o primeiro semestre, ao passo que começamos a discutir um novo termo de contrato", disse Vinicius Mendonça Neiva, secretário executivo da Seduc
"O processo de contratação é um processo que demanda um conjunto de etapas, demanda conjunto de prazos que são prazos legais e a gente não consegue encurtar. A gente deu atendimento todos os dias desde o atentado até o encerramento do semestre".
"A nossa intenção era de colocar profissionais atuando dentro das escolas em agosto, mas, em virtude de alguns prazos do processo de contratação, acabou demorando esses 20 e poucos dias a mais", completou Neiva.
Professores relatam falta de atendimento
“A maioria das pessoas da escola não tem atendimento psicológico. O Conviva, que era uma parte importante, mesmo que online, também não existe [na Thomazia]", afirma a professora Ana Célia da Rosa, de 58 anos, uma das vítimas do ataque e a última a ter alta.
Ana foi encaminhada para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Butantã assim que retornou para as aulas. Segundo ela, quem precisar de atendimento psicológico na escola deve procurar atendimento no SUS.
Questionário feito pelo governo após o ataque indicou que a maioria dos alunos apontou como prioridade número 1 a visita regular de psicólogos às escolas (leia mais abaixo).
Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) alegou que os profissionais do Conviva continuam realizando visitas e acompanhamentos semanais na escola, no atendimento aos professores, alunos, equipe escolar e comunidade que queira participar.
Sobre a reposição das aulas, o cronograma foi elaborado para cumprir os 200 dias letivos, conforme estipulado pela LDB e pela resolução SEDUC 95.
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