Suicídio: como pais e educadores podem trabalhar a prevenção
26/09/2024
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Dados divulgados pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam que a probabilidade de casos de suicídio entre adolescentes no país teve um crescimento maior do que em outras faixas etárias.
Os dados e relatos de casos levam ao debate sobre as maneiras de lidar com o tema. Como evitar? Existe algum sinal? Como conversar com meu filho se eu acho que ele está mal? Como conversar se ele é colega de alguém que se suicidou?
Abaixo, neste texto, o g1 retoma informações publicadas em 2018 sobre o tema. A equipe de reportagem ouviu psicanalistas, psiquiatras e especialistas no assunto para tentar ajudar pais, professores e amigos a tratarem do assunto:
1- É normal adolescente ter depressão?
Especialistas explicam que existe um tipo de depressão típica da adolescência, mas que não necessariamente configura uma doença ou transtorno mental. Ela faz parte dos processos de mudanças fisiológica e emocional dessa faixa etária, quando as crianças fazem a transição para a vida adulta e, nesse período, passam pela busca da autonomia no mundo sem o apoio integral de seus pais, além de experiências de descoberta e conflitos relacionados ao autoconhecimento e à construção de sua identidade, definição da profissão, exploração da sexualidade etc.
Em entrevista concedida ao g1 em 2018, o psicanalista Mário Corso, especialista no atendimento a adolescentes, explica que é justamente nessa fase que o adolescente entra em contato com o “mal estar da civilização”.
Segundo ele, nessa época da vida as pessoas se dão conta de que o mundo “é um lugar muito sem utopia, sem esperança", o que pode provocar o desespero. "É uma depressão típica da adolescência, você se dá conta do peso do mal estar no mundo, e isso varia conforme o ambiente político e cultural", diz ele, ressaltando que, atualmente, o Brasil e vários países do mundo experimentam momentos de perspectivas pessimistas.
2- Dá para diferenciar sintomas de depressão e da adolescência?
De acordo com Corso, nem sempre, já que muitos deles são os mesmos.
“Fora alguém dizer que pensa em se matar, todos os sinais são sinais típicos da adolescência: ele está mais irritado, ganha peso, perde peso, fica apático. Qual é o adolescente que não tem [um desses sintomas]? Alguns suicidas escondem muito bem. Não tem nenhum termômetro eficaz.”
A chave, segundo os especialistas, é manter um canal de diálogo aberto com os filhos, para que a observação seja mais eficaz (leia dicas mais abaixo).
3- Todo suicídio é um resultado da depressão?
Não. “O suicídio vem em vários quadros clínicos e às vezes não tem nada a ver com a depressão”, ressalta Corso.
“Pode ser uma psicose. Nesse caso, o sujeito não é deprimido. E às vezes a depressão é uma defesa contra o suicídio. Parece que não tem sentido, mas tem."
Segundo o psiquiatra Elton Kanomata, do hospital Albert Einstein, há ainda outros fatores que podem aumentar a chance de depressão. Um deles é a predisposição genética – independente da idade. No entanto, só isso, de forma isolada, não deve fazer uma pessoa tentar se matar.
“São questões natas da própria pessoa, questões de personalidade, de afetividade, e outros comportamentos. Uma soma disso, de uma forma bem complexa, leva ao suicídio”, disse Kanomata.
Alguns grupos de adolescentes também acabam ficando mais vulneráveis a desenvolver um quadro depressivo por questões sociais. Uma pesquisa publicada em dezembro de 2017analisou a resposta de 15 mil adolescentes no ensino médio sobre se eles já haviam considerado seriamente o suicídio, se já haviam planejado se matar ou se já haviam tentado tirar a própria vida.
De acordo com o estudo, 40% dos adolescentes LGBTs consideraram seriamente o suicídio, 35% planejaram e 25% tentaram se matar, contra 15%, 12% e 6% dos heterossexuais, respectivamente.
A Associação Americana de Psiquiatria já demonstrou que “os riscos associados a qualquer tratamento coercitivo e violento contra homossexuais incluem depressão, suicídio, ansiedade, isolamento social e diminuição da capacidade de intimidade.” Atacar as causas sociais, nesse caso, também é uma forma de prevenção.
4- O suicídio então é resultado do quê?
Os especialistas divergem em relação aos processos que podem levar ao suicídio.
Corso explica que é "uma cilada" ligar todos os casos de suicídio à depressão. "A gente costuma pensar no suicídio como o ponto mais fundo de uma depressão, como se houvesse um processo gradual no sujeito, que vai se aproximando de uma depressão e o suicídio", diz ele.
Karina Okajima Fukumitsu, psicóloga e suicidologista, acredita que o suicídio é o ápice do que ela chama de "processo de morrência", em que a pessoa "já está se sentindo desgostosa da vida, sem sentido, e vai definhando existencialmente".
5 - É possível evitar o suicídio de alguém?
A pergunta não encontra resposta pronta. Os dados da OMS sobre suicídios que podem ser evitados são baseados em um estudo se debruçou sobre os detalhes de 15 mil suicídios e concluiu que, em 98% dos casos, a vítima tinha algum transtorno mental, o que indica que a morte poderia ter sido evitada caso a pessoa recebesse o tratamento adequado.
O problema é que oferecer o tratamento adequado é uma ideia mais fácil de defender do que de efetivamente colocar em prática. Isso porque cada caso tem sua subjetividade própria, todos envolvem uma série de fatores e o tratamento, tanto com remédios psiquiátricos quanto com psicoterapia, leva tempo para surtir efeito.
Karina se dedica ao tema há 25 anos, mas reconhece a dificuldade de lidar com o tema. “Dá para prevenir o suicídio, mas não dá para prever. Prevenção é diferente de previsão.”
7- Se prever um suicídio é impossível, como posso preveni-lo?
Mais uma vez, os especialistas explicam que não existe uma receita pronta nesse caso, mesmo em se tratando de pessoas a quem assistimos crescer dentro da nossa própria casa. Para Mário Corso, é uma tarefa desafiadora identificar sinais de que um filho adolescente está sofrendo de uma angústia ou depressão mais profunda do que as típicas alterações dessa faixa etária.
Karina Fukumitsu diz que é preciso avaliar mudanças de comportamento. E ver se nelas há sinais de que algo grave e não característico da idade está acontecendo. Um adolescente que veste roupas de manga comprida e capuz mesmo durante verões quentes não necessariamente está escondendo algo, mas os pais podem ficar atentos em busca de indícios de automutilação e cortes nos braços, pernas, barriga ou pescoço, por exemplo.
“É uma necessidade deles também, de encontrarem o estilo próprio. Porém, comece a prestar atenção: Se houver automutilação, já é um processo de quem está pedindo socorro”, disse ela.
8- Manter meu filho em casa o protege de incentivos ao suicídio?
Não. Mesmo em casa, os adolescentes podem ter acesso a conteúdos e pessoas pela internet que valorizam a morte e podem atuar, direta ou indiretamente, como facilitadores do desejo de morrer. “Tem que se aproximar e dar uma olhadela, qual é o conteúdo que estão jogando, com quem estão conversando”, recomenda Karina.
Sim. Em seus cursos, Karina compilou, a partir de diversos estudos, quatro listas diferentes de sinais comportamentais e verbais que podem ser diretos ou indiretos. Veja abaixo:
COMPORTAMENTAIS DIRETOS
- Tentativas de suicídio anteriores
- Mudanças repentinas de comportamento
- Ameaça de suicídio ou expressão/verbalização de intenso desejo de morrer
- Ter um planejamento para o suicídio
- Sinais observáveis de depressão
- Oscilação de humor
- Pessimismo
- Desesperança
- Desespero
- Desamparo
- Ansiedade, dor psíquica, estresse acentuado
- Problemas associados ao sono (excessivo ou insônia)
- Intensa raiva
- Desejo de vingança
- Sensação de estar preso e sem saída
- Isolamento: família, amigos, eventos sociais
- Mudanças dramáticas de humor
- Falta de sentido para viver
- Aumento do uso de álcool e/ou outras drogas
- Impulsividade e interesse por situações de riscos
COMPORTAMENTAIS INDIRETOS
- Desfazer-se de objetos importantes
- Conclusão de assuntos pendentes
- Fazer um testamento
- Despedir-se de parentes e amigos
- Casos extremos de irritabilidade, culpa e choro
- Fazer carteira de doação de órgãos
- Comprar armas, estocar comprimidos
- Fazer seguro de vida
- Colocar coisas em ordem
- Súbito interesse ou desinteresse em religião
- Fechar a conta corrente
VERBAIS DIRETOS
- “Eu quero morrer.”
- “Gostaria de estar morto.”
- “Vou me matar.”
- “Se isso acontecer novamente, prefiro estar morto.”
- “A morte poderá resolver essa situação.”
- “Se ele não me aceitar de volta, eu me matarei.”
- “Quero sumir. Não aguento mais! Só morrendo mesmo para aguentar.”
VERBAIS INDIRETOS
- “Se isso acontecer novamente, acabarei com tudo.”
- “Eu não consigo aguentar mais isso.”
- “Você sentirá saudades quando eu partir.”
- “Não estarei aqui quando você voltar.”
- “Estou cansado da vida, não quero continuar.”
- “Tudo ficará melhor depois da minha partida.”
- “Não sou mais quem eu era.”
- “Logo você não precisará mais se preocupar comigo.”
- “Ninguém mais precisa de mim.”
- “Eu sou mesmo um fracassado e inútil. Tudo seria melhor sem mim.”
10- Como agir caso meu filho ou filha apresentar algum desses sinais?
A saída, segundo Mário Corso, é que os pais consigam se manter próximos dos filhos, superando o obstáculo da construção da autonomia por parte dos adolescentes.
“Os sinais externos, se tu não está ali, tu não vai pegar. Mas uma das tarefas da adolescência é poder se virar sem os pais. Como tu respeita isso e ao mesmo tempo consegue ficar um pouco perto deles para saber o que está acontecendo? É um desafio que não tem receita pronta.”
Quando a situação aparentar a necessidade de intervenção, a recomendação da OMS é que as pessoas próximas procurem um momento de tranquilidade para conversar com o ou a adolescente sobre suicídio. O importante, nesse momento, é ouvir com a mente aberta e não oferecer julgamentos ou opiniões vazias. Só assim a pessoa se sentirá acolhida e a ajuda poderá surtir efeito.
Tanto os psiquiatras quanto os psicólogos poderão ajudar, nas suas respectivas áreas, no atendimento a esse adolescente. "Os dois [remédio psiquiátrico e psicoterapia] devem andar juntos", explica Mário Corso.
"O remédio auxilia muito mesmo, em casos graves de depressão e de angústia. Nesses dois pontos ele faz maravilhas, porque ele te dá condições de o tratamento funcionar. Mas a raiz da depressão é o comportamento. A causa não é química, mas o efeito é químico. Qualquer neurose tem uma correspondência cerebral", explica ele.
Para quem não pode pagar por atendimento psicológico ou psiquiátrico, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece o serviço por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
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