A teoria do 'útero errante' que deu origem ao ultrapassado conceito de histeria

02/04/2024

Fonte: G1 Por BBC Por Alicia Hernández

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Esta crença existiu há mais de 2,4 mil anos, mas o paradigma sobre como o suposto 'animal' afetava o corpo da mulher e seu modo de ser se manteve por séculos.

Um animal dentro do corpo de outro animal. Esta era a descrição do útero feminino na antiguidade.

A frase foi atribuída a Platão e a Aristeu da Capadócia. Mas ela demonstra a visão da época sobre aquele órgão e as mulheres.

Especificamente, as pessoas acreditavam que o útero seria um animal móvel que vagava pelo interior do corpo. E a mulher não tinha nenhum controle sobre ele: era o "útero errante".

Esta crença existiu há mais de 2,4 mil anos, mas o paradigma sobre como o suposto "animal" afetava o corpo da mulher e seu modo de ser se manteve por séculos.

O órgão também acabou vinculado a uma doença que chegou até os divãs do psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856-1939): a "histeria".

 

É difícil definir "histeria" sem cair em simplificações. Mas, nas diferentes correntes médicas, o termo foi mantido para definir uma doença dos nervos, do desejo, que rege as emoções e as exacerba.

 

A histeria era caracterizada por uma grande variedade de sintomas que, conforme a época, variavam de estados de abatimento, respiração ofegante, silêncio e até espasmos. Uma verdadeira colcha de retalhos – e todos os sintomas seriam provocados pelo útero, seus movimentos e alterações.

Não por acaso, a origem da palavra "histeria" vem do termo grego "ὑστέρα" ("hystéra", que significa "útero").

Do Egito para a Grécia antiga

 

A ideia de que o útero viajaria pelo corpo, afetando outros órgãos, surgiu pela primeira vez no antigo Egito.

Esta referência está incluída nos papiros de Kahun, que são considerados os textos médicos conhecidos mais antigos do Egito (1800 a.C.). Eles são especificamente dedicados à ginecologia.

E também se encontra no papiro Ebers, o maior existente, segundo Mercedes López Pérez, da Universidade de Múrcia, na Espanha, na sua pesquisa La Transmisión a la Edad Media de la Ciencia Médica Clásica ("A transmissão para a Idade Média da Ciência Médica Clássica", em tradução livre).

López Pérez menciona que estes papiros incluem, por exemplo, o caso de uma mulher que se queixa de dor nos olhos que se estende até a nuca e que não consegue enxergar.

 

O diagnóstico é que esses sintomas se devem "às substâncias uterinas que estão nos olhos" — e o "remédio" é uma fumigação com resina e gordura na vagina.