Por que o calor entrou na mira da saúde mental

08/08/2024

Fonte: Por Mariza Tavares — Rio de Janeiro

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Temperaturas cada vez mais altas, causadas pelas mudanças climáticas, podem levar a comportamentos agressivos.

Tenho escrito com frequência sobre como as mudanças climáticas – e, principalmente, as ondas de calor cada vez mais comuns – têm forte impacto na população mais velha. O tema também está na mira dos profissionais da saúde mental: “How heat affects the mind” (“Como o calor afeta a mente”) é a capa da edição de junho da revista “Monitor on Psychology”, da American Psychological Association. É verão no Hemisfério Norte e temperaturas rondando os 40 graus persistem por dias. O pior é que, ano após ano, os recordes são batidos e o mundo vai virando uma fornalha.

Os riscos para a saúde física são bem conhecidos, como desidratação e acidentes vasculares cerebrais (derrames), mas as consequências psicológicas não estavam na berlinda. São estados de irritabilidade a impulsividade, passando por problemas de concentração.

“O calor extremo pode tornar as pessoas mais deprimidas ou irritadas, favorecendo surtos psicóticos em indivíduos que fazem uso de determinados medicamentos”, afirmou Jane Gilbert, que ocupa um cargo que, até 2021, não existia no condado de Miami-Dade, na Flórida, nem no planeta: “chief heat officer” (algo como diretora para assuntos de calor).

 

Quando o corpo perde água e sais minerais através do suor, há o risco de uma condição chamada exaustão térmica, caracterizada por tontura, desmaio e pulsação acelerada, que, se não for tratada, pode causar um derrame – quando nosso “sistema de resfriamento” entra em colapso.

 

“Quase todas as medicações psicotrópicas, com exceção dos benzodiazepínicos, podem afetar a capacidade do organismo de lidar com o calor, aumentando o risco de exaustão térmica”, explicou o psicólogo clínico Joseph Taliercio.

 

Um estudo norte-americano constatou que havia um crescimento de 8% de emergências psiquiátricas em dias mais quentes.

Para idosos, a situação é ainda mais preocupante. Uma revisão sistemática de estudos, conduzida pela University of Adelaide School of Public Health (Austrália), apontou um aumento de 2,2% de mortalidade relacionada à saúde mental e de 0,9% de transtornos mentais para cada 1,8 grau Fahrenreit de acréscimo na temperatura ambiente. Os moradores de áreas tropicas e subtropicais acima dos 65 anos eram desproporcionalmente afetados.

Embora seja difícil isolar o efeito da temperatura como gatilho para um determinado tipo de comportamento, a revista cita trabalho que indica que a exposição ao calor potencializa a impulsividade, o que é agravado pelo ambiente urbano, com menos áreas verdes.

Um levantamento realizado em Boston, em 2016, mostrou o impacto na cognição: 44 alunos foram monitorados durante 12 dias escaldantes, sendo que metade morava em imóveis com ar-condicionado. Pela manhã, todos eram submetidos a testes cognitivos e faziam operações simples, de adição e subtração. Os que viviam em lares sem refrigeração levavam um tempo 13% maior para completar as tarefas.

Pobreza e vulnerabilidade andam juntas. Portanto, a mitigação do calor terá que se transformar em política pública, o que inclui de planejamento urbano, com mais áreas verdes, a programas para proteger a população de rua.