Andréia Horta, Bianca Comparato, Débora Falabella e Mariana Ximenes contam como se tornaram amigas: 'Há divergências, mas é onde a gente cresce'

09/10/2024

Fonte: Por Gustavo Assumpção — de São Paulo (SP)

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Foi nas incertezas da pandemia que Andréia Horta, Bianca Comparato, Débora Falabella e Mariana Ximenes se uniram. Do amor pela poesia e pela dramaturgia surgiu o Cara Palavra, projeto multiplataforma que começou nas redes sociais e chegou ao teatro. A troca solidificou uma amizade em que a escuta e o diálogo são a base. Agora, comemoram em Marie Claire a chegada de mais uma mulher, que traz ao mundo a esperança de fazer o futuro

“As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios”, escreveu Ana Cristina César (1952-1983), referência da poesia marginal dos anos 70. Cabe às mulheres e aos seus frutos o poder de impedir tragédias – ou, ao menos, a possibilidade de adiá-las. Foi essa crença que uniu Andréia HortaBianca ComparatoDébora Falabella e Mariana Ximenes. Em 2020, no auge das incertezas pandêmicas, as quatro criaram o Cara Palavra, projeto que une poesia, teatro, música e improviso, uma tentativa de levar conforto e beleza ao mundo à beira do colapso. O que começou nas redes sociais virou espetáculo de teatro e fortaleceu a parceria entre quatro artistas inquietas.

“Quando tudo parou, bateu uma saudade dos nossos papos. A gente uniu o amor pelo nosso ofício à necessidade de criar. Combinamos de tomar um vinho, cada uma em sua casa, e conversar. Começamos a ler A Peste [do escritor argelino Albert Camus]. Foi aí que decidimos dividir com as pessoas o que estávamos construindo juntas”, conta Ximenes.

Ao longo de suas carreiras, as quatro se esbarraram em produções audiovisuais, fizeram testes para os mesmos papeis, circulavam nos mesmos ambientes, mas nunca encontraram tempo para criar coletivamente. Foi no isolamento que a admiração virou amizade. “Foi um período em que a gente precisava de certos escapes. Trabalhar, ler, falar de poesia, estar com amigas, foi uma forma da gente também conseguir sobreviver diante de um momento tão obscuro”, lembra Falabella.

Desde o Cara Palavra, elas mantêm um grupo no aplicativo WhatsApp onde trocam confidências e mantém a relação aquecida. Nada de assuntos amenos: o espaço é de acolhimento. “A gente se sente muito forte podendo ser vulnerável, principalmente diante de quem pode e quer te dar colo, escuta”, avalia Horta. Juntas, elas também dividem as inseguranças e as incertezas que fazem parte de uma vida dedicada às artes. “O mais interessante de ter amigas que passam pela mesma coisa é que elas compreendem as angústias que a gente tem. O trabalho excessivo, as dúvidas que em relação ao futuro. A gente se sente muito acolhida”, diz Falabella.

A afinidade é evidente, mas não impede que as quatro discordem. Quando um problema surge, elas apostam no diálogo. “Nós somos pessoas diferentes, com histórias diferentes, físicos diferentes. A gente se respeita muito, se admira, se ama. Há divergências, mas é onde a gente cresce, evolui. Se você está num momento de raiva, você pode atirar uma flecha. Ao invés de atirar, eu prefiro que a gente coloque o tabuleiro na mesa e se resolva”, diz Ximenes. Com o tempo, aprenderam a equilibrar boca e ouvido. “Eu gosto de esperar, do enterro dos ossos. Quanto mais madura a gente fica, mas vai aprendendo que o tempo tem sua lógica”, acrescenta Comparato.

As quatro não formam um grupo homogêneo. Andréia Horta e Débora Falabella são mais reservadas e avessas à mídia e donas de uma postura profissional rígida, quase devocional. Carregam as raízes de Minas Gerais e gostam da fala contida, mas íntima. Bianca Comparato, a Bibi, é mais prática, direta, criativa. É múltipla: experimenta, produz e observa cada detalhe do que está ao redor. Mariana Ximenes é a argamassa, aquela que lembra a importância dos encontros e que acolhe com doçura. Ela é quem agrega, recebe e une os amigos, fomenta e cria uma rede de contatos que faz com que todos cresçam.

“Nós somos pessoas diferentes, com histórias diferentes, físicos diferentes. A gente se respeita muito, se admira, se ama. Há divergências, mas é onde a gente cresce, evolui. Se você está num momento de raiva, você pode atirar uma flecha. Ao invés de atirar, eu prefiro que a gente coloque o tabuleiro na mesa e se resolva” - MARIANA XIMENES

 

A abertura para que relações profundas se construam só foi possível porque o amadurecimento chegou – e com ele, a certeza de quem não se faz nada sozinha. “Eu sempre tive poucas amigas. Fui muito tímida, saí da minha cidade cedo. Quando me tornei atriz, chegava no trabalho de uma forma muito profissional e muito séria. Só depois de mais velha fui me abrindo”, conta Falabella. A terapia, dizem elas, é essencial para o autoconhecimento e para se impor. “Nunca fui impulsiva, era mais de chorar no banheiro. Sofria, engolia. Agora, depois de muita análise e maturidade, a gente aprende a se colocar”, afirma Ximenes. Se posicionar também para entender que algumas parcerias serão mais íntimas que outras. “Cada relação é uma gaveta, um baú, um tesouro diferente”, defende Horta.

Diante de uma rotina intensa, o desafio é se fazer presente, encontrar frestas nas quais é possível encaixar um jantar, uma chamada de vídeo, um áudio mais longo com um questionamento filosófico. “Hoje, não sou aquela amiga que cobra amizade. Eu tento cultivar, sabe? Sempre mandar uma mensagem, perguntar como está, prestigiar um trabalho”, diz Falabella.

"Cada relação é uma gaveta, um baú, um tesouro diferente" - ANDRÉIA HORTA

 

‘O amor romântico é antes de tudo uma grande amizade’

 

A paixão é combustível, mas é a amizade que traz ao amor romântico o vigor para a relação germinar – se for só ancorado no tesão, os relacionamentos naufragam, afirmam elas. Aos 45 anos, Débora Falabella encontrou paz ao lado do diretor Fernando Fraiha. Juntos, eles experimentam. Vivem em casas separadas, sem que o formato prejudique o diálogo e a parceria. “Meu casamento começou com amizade e isso faz muita diferença. Claro, tem todo o amor romântico, a sedução de cada dia, mas se você não pode se abrir e falar, é muito difícil sustentar. Não tem uma fórmula. O casamento é um projeto de vida”.

Após um longo relacionamento, Comparato se viu apaixonada pela estilista Rafaella Caniello, de quem fala com empolgação. “Foi muito natural, uma troca. Nem eu e nem ela imaginávamos o que virou. Gosto, por exemplo, de poder ficar em silêncio no mesmo ambiente. Isso vem da amizade, não do desejo”, diz, acrescentando que a amada foi muito acolhida. “Ela entrou no nosso grupo também. Rolou uma afinidade. É importante que os nossos amigos gostem de quem está com a gente”.

 

"Não tem uma fórmula. O casamento é um projeto de vida” - DÉBORA FALABELLA

 

Andréia Horta foi atingida por amor inesperado, que prosperou ao acaso. Por anos, frequentou a casa de Ravel Andrade, já que era grande amiga de seu irmão, o também ator Júlio Andrade. "A gente nunca, em momento nenhum, tinha se olhado. Ele era o irmão do meu amigo. Ponto. Quando o jogo virou e a gente se apaixonou, nós já nos conhecíamos há mais de 10 anos", relembra. Já Ximenes está na fase do encanto. Ela acaba de ser surpreendida por um amor sereno, que brotou durante um curso imersivo de meditação de oito dias no México. Foi lá que conheceu o empresário Thiago Cordeiro, com quem está construindo uma relação. “Aconteceu. A gente tem umas características parecidas. Ele gosta de ioga, é muito focado na saúde”, declara ela que diz que encontrou o que buscava. “Um relacionamento tem que ter todas as características de uma amizade. Escuta, conversa, respeito e, claro, amor.”

 

'Acredito na abundância'

 

As quatro se doam às relações, mas é no trabalho que encontram a energia vital que as mantém em movimento. Falabella está em cartaz em São Paulo com Prima Facie, espetáculo que ajudou a produzir e que discute temas sensíveis, como a violência contra a mulher. O texto, um sucesso em montagens pelo mundo, casou perfeitamente com seu desejo de fazer algo novo. Nos últimos meses, se isolou para uma preparação intensa. “Falo que estou com uma vida quase monástica. Não estou bebendo, faço exercício, acordo no horário certo.”

Após anos vivendo entre São Paulo e Los Angeles, Bianca Comparato voltou a fixar raízes por aqui. Reatou a convivência com as amigas e tem encontrado paz interior na meditação e na hipnose, que busca desmistificar. “É como ir navegando em sentimentos, lugares, memórias, que eu não acessava tanto ou não achava importantes. Você vai lá e cura, se resolve”, conta. Em breve, começa a gravar a série Tremembé, do Prime Video, onde vai ver um dos seus maiores desafios de sua trajetória: interpretar Ana Carolina Jatobá, condenada pela morte da menina Isabella Nardoni.

Sorrindo, Ximenes diz que seu retorno ao horário nobre após 14 anos aconteceu no momento certo. Em Mania de Você, interpreta uma vilã quente, com ares folhetinescos. Para ela, a oportunidade coroa um momento de paz interior. “Eu estou serena, feliz de poder estar nesse personagem, numa fase boa comigo. Sinto que consegui me dedicar a mim mesma e me vejo contente de estar na minha pele.”

Ao relembrarem as muitas vezes em que se cruzaram pelos bastidores, as quatro se entrelaçaram na mesma trama. Na preparação para Elis (2014), todas fizeram testes para o longa, já que Andréia Horta, então escolhida, enfrentou problemas de agenda. Cuidadosa, Bianca chegou a procurar a amiga para avisar que estava na disputa pelo papel. "Lembro que falei para ela ficar em paz, porque o personagem escolhe o seu intérprete e o destino levaria a Elis para o colo de quem ela tivesse que ir", relembra Horta. A partir daquele momento, Comparato entendeu que a competição pode ser saudável e que há uma ordem maior que compensa o trabalho duro e leal. Passou a acreditar na abundância. Horta, ao fim, fez Elis, colecionou prêmios e viu sua carreira decolar. Ao "perder" o papel, Bianca fez 3%, série da Netflix que a colocou no cenário internacional.

 

‘Nossa relação é generosa’

 

Andreia Horta se entusiasma quando fala da avassaladora experiência da maternidade. Em sua primeira gestação e diante da chegada de mais uma menina ao mundo, diz que as primeiras mudanças são no corpo, na matéria. "É um peso que altera a sua gravidade. Altera o jeito de dormir. É uma vitória. Eu acordo mais feliz, mais grata, mais viva a cada novo dia.” Na barriga da mãe, a pequena já fez sua estreia em Cidade de Deus: A Luta Não Para, seriado que a atriz gravou durante a gestação. “Atuar é vida pura, é corrente sanguínea, coração batendo. Comigo, que estou com artistas o tempo todo, ela vai sentir vontade de vida e coragem, muita coragem.”

Ao partilhar a chegada de uma nova vida, as amigas planejam tempo de qualidade, respeitando a individualidade do maternar. “Ela pode me chamar, quero ficar lá cuidando enquanto ela descansa. Mas, também dar espaço, porque quando engravidei recebia conselhos demais”, relembra Falabella. É na partilha da vida mais íntima que essas quatro mulheres – que em breve serão cinco – querem não só evitar que mais navios afundem, mas também construir embarcações nas quais caibam todas. "É muito simbólico a gente estar aqui registrando mais uma menina chegando no mundo. Nossa relação é respeitosa, generosa. É a coisa mais linda que existe entre nós”, define Ximenes.