A vida dedicada à arte de Maria Fernanda Cândido após deixar o Brasil com a família: 'Morando fora, eu fiquei mais brasileira'

04/11/2025

Fonte: Por Natacha Cortêz — de Paris, na França

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Prestes a estrear no palco do Théâtre du Soleil, a atriz reafirma uma vida guiada por princípios: da formação jesuíta à bússola de Hannah Arendt, da parceria com cineastas autorais à sofisticação discreta. E ainda colhe os louros por sua Elza, personagem do badalado filme O Agente Secreto

A opção de viver em Paris não distanciou sua alma de seu país natal, pelo contrário, acendeu outra luz sobre o que sempre esteve ali. “Morando fora do Brasil eu fiquei muito mais brasileira”, diz a atriz Maria Fernanda Cândido, que se instalou na França, em 2017, com o marido (francês) Petrit Spahija e os dois filhos. A frase, que ela mesma repete sem medo de soar conhecida, é a síntese do seu agora: uma atriz que aprendeu a viver entre códigos. “Eu consigo, estando aqui, entender o código deles e dialogar com isso”, diz sem se diluir na tradução.

A formalidade francesa, os limites do toque, a distância polida das relações convivem com o corpo e a fala de quem se reconhece gestual e calorosa. A identidade, antes de ser marketing, é método. E método, no caso de Maria Fernanda, tem raízes profundas: o Colégio São Luís, de tradição jesuíta, onde humanismo e disciplina eram práticas diárias; os projetos sociais de adolescência que alargaram os horizontes para além da bolha; e a leitura de Hannah Arendt, norte teórico do seu trabalho de conclusão de curso e farol recorrente.

É de Arendt que vem uma distinção-chave para entender suas escolhas: entretenimento entretém; arte convoca. “A pergunta que me guia é simples e difícil: que ética se une a que estética?” O resultado aparece na filmografia e nos palcos: adaptações de Machado, Clarice, Hatoum; cinema autoral no Brasil e na Europa (como em O Traidor, de Marco Bellocchio); e aparições na TV que provocam saudade. “Eu não penso na plataforma”, repete. “O que importa é a obra, quem assina e como dá forma.”

Essa coerência explica também a recusa à “celebrização” da profissão. “Podemos chamar de low profile o meu jeito? Reservada ou discreta?” Não é pose: é coerência com uma educação de princípios e com a clareza, aprendida cedo, entre o que tem preço e o que tem valor. Ainda adolescente, como modelo, disse não a campanhas milionárias de cigarro. Na vida adulta, continuou dizendo não quando o projeto, a equipe ou o sentido não se alinhavam. Nem toda equação fecha para todo mundo, e está tudo bem.

Paris lhe deu, nos últimos anos, outra casa: o Théâtre du Soleil, fundado e dirigido por Ariane Mnouchkine. Ali, Maria Fernanda encontrou um organismo artístico vivo e uma comunidade que trabalha em regime de partilha. “Sou muito grata à Ariane… Ela me deu um lugar, me considerou e me abriu as portas.”

Pela primeira vez, a atriz se prepara para subir no palco do lendário teatro parisiense, com o espetáculo Ballade au-dessus de l’abîme, inspirado em textos de Clarice Lispector. A montagem, que tem direção de Maurice Durozier, estreia em 21 de janeiro de 2026. “Estar neste palco é, para mim, de uma felicidade enorme.”

O olhar para a moda nasce da mesma lógica de parceria e permanência. Há décadas próxima do universo do luxo, uma das primeiras a vestir Armani no Brasil, Maria Fernanda nunca tratou roupa como uniforme de tendência, e sim como diálogo entre peça e pessoa. “O que fica bem comigo, com esse corpo, com esse perfil de personalidade?” Daí o consumo comedido e uma crítica serena à aceleração dos últimos 20 anos: “A Paris do corte impecável e do tecido escolhido ainda existe, mas hoje convive com um consumo desenfreado que mudou o ritmo da cidade. A de antes virou ilhas; é preciso procurar”.

Se a capa pede brilho, o bastidor pede verdade. E a verdade, na vida da atriz, tem formato de rotina. Em casa, o Instagram funciona como agenda de trabalho, sem a promessa de intimidade. “O digital aproxima quem está distante, mas distancia muito quem está perto”, observa. O antídoto é presença. Mesa posta, massa fresca, strogonoff para os filhos, bolo de laranja com casca, bolo de goiabada, torta de banana com canela, brigadeiro. Rituais simples que sustentam uma ideia de bem-estar menos performática e mais concreta... estar com os seus, cozinhar, organizar a casa, conversar. “Eu pareço ser zen, mas sou enérgica, faço mil coisas. A diferença é agir pensando, não por impulso.”

A maternidade entrou numa fase de transição e a atriz, outra vez, reposicionou o gesto. Com Tomás, de 19 anos e cursando Literatura na Sorbonne, e Nicolas, de 17, ela trocou o verbo “dizer” por “ouvir”. “Aprendi a pensar junto com eles, sem impor. Se a sintonia em casa falha, o resto perde sentido.”

No horizonte, uma lista de desejos, como escrever, talvez dirigir, lapidar novas perguntas. O trabalho com Kleber Mendonça Filho em O Agente Secreto parece alinhavar a próxima temporada. No filme, a atriz interpreta Elza, papel estratégico criado especialmente para ela.

A capa captura uma atriz que sustenta a própria bússola em tempos de barulho. Entre Paris e Brasil, set e palco, tapete vermelho e fogão, Maria Fernanda Cândido reafirma o encontro como prática diária. “Eu acredito muito no encontro humano.” O resto é ruído.

Fotos: HUDSON RENNAN (FSAG)
Direção de moda: LARISSA LUCCHESE
Edição de moda: PAULO MARTINEZ (SD Mgmt)
Beleza: LIEGE WISNIEWSKI (GrouPart)
Set design: RICARDO ISHIRAMA
Produção executiva: VANDECA ZIMMERMANN