Xuxa abre o coração: "A única coisa que a gente quer é saber que não está sozinha"

02/03/2021

Marie Claire

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Com 42 anos de carreira e uma vida exposta pela mídia, a Rainha dos Baixinhos aposentou suas “xuxinhas” e botas de cano alto e, depois de finalizar recentemente seu contrato com a Record, está livre, pela primeira vez, para realizar seus projetos pessoais. Com a vida resolvida, escreveu um livro de memórias e abriu mais espaço para a vida íntima, as causas que lhe são caras e a cura de traumas que se tornaram não uma cicatriz, mas “um braço a mais”, como prefere identificar, para seguir em frente..

Xuxa Meneghel para Marie Claire (Foto: Caroline Lima)

Depois de revelar no Fantástico, em 2012, que sofreu violência sexual de vários homens diferentes até os 13 anos, Maria das Graças Meneghel, a Xuxa, passou a ser abordada de uma maneira que nunca havia imaginado. Não que a horda de baixinhos, todos agora beirando os 40, a tenha abandonado. Isso nunca. Mas a maneira que as pessoas, principalmente as mulheres, se apresentam a ela hoje não é mais (só) pedindo “um beijo para o meu pai, para a minha mãe e para você”, mas estabelecendo uma conexão verdadeiramente profunda. “Basta um gesto e entendo que foram abusadas, que somos da mesma tribo”, conta. “É um canal que as pessoas nem precisam falar porque quem passa por isso não quer ouvir nada. O que a gente queria era ter sido abraçada lá atrás, quando tudo aconteceu”, completa. Xuxa entende esses encontros silenciosos como parte do processo de cura – que, na verdade, nunca será concluído. “Um sinal de ‘sinto muito, estou aqui para você’ já diz tudo. A única coisa que a gente quer é saber que não está sozinha.”

O ombro que oferece a tanta gente ela encontrou no atual “namorido”, como gosta de chamar o cantor Junno Andrade. “Em um de meus abusos, o namorado da minha avó apertava o bico do meu peito por debaixo do pijama, e doía muito. Nas minhas relações, bastava alguém tocar no meu seio para eu me retrair inteira”, conta. Nenhum homem antes havia mexido nessa ferida, mas Junno quis entender o porquê daquela reação. Foi a primeira vez que Xuxa falou sobre seu trauma em uma situação de intimidade. Ele olhou dentro de seus olhos: “Não é aquele cara que está fazendo isso. Sou eu, alguém que ama você”. E pediu: “Me diz o que ele fazia. Vou fazer igual, você vai olhar para mim e vai ver que sou eu na sua frente”. O momento foi um divisor de águas na vida sexual da apresentadora. “Chorei enlouquecidamente”, conta. “Mexeu em uma caixinha que estava guardada havia muitos anos e me fez falar, sentir.” E – o mais importante – superar. “O que aconteceu foi exatamente o processo de elaboração que fazemos no divã com o paciente. A ideia é estimular que a pessoa conte a memória em voz alta e depois ela seja pensada, repensada, discutida, chorada e sentida. Com isso, o trauma é ressignificado”, explica a psicanalista Jaqueline Conceição.

Depois de diversos relacionamentos atrapalhados – quem não se lembra do namoro com Pelé, que acabou após muitas traições por parte dele; do relacionamento com Ayrton Senna, com quem terminou ainda apaixonada para privilegiar a carreira; ou do romance com o ator Luciano Szafir, de quem se separou aos seis meses de gestação de sua única filha, Sasha Meneghel? –, foi justamente com Junno, que reencontrou numa apresentação em seu programa, que Xuxa se liberou sexualmente – detalhe: aos 50 anos. “Quando entrei na menopausa, comecei a usar um creme nas pernas à base de testosterona, hormônio que sempre me faltou. Tanto que tinha uma voz mais fina, pouco cabelo, unha frágil... Agora estou bombando”, conta. Atualmente, o sexo está sempre na pauta do dia. “Ouço jovens dizendo que transam duas vezes por mês. Se isso acontece aqui em casa, tenho de botar a mão na cabeça dele e na minha para ver se estamos doentes”, diverte-se. Tem mais: “Não é só sexo, a gente namora, um olha para o outro e diz ‘te amo’, beija muito. E nada de selinho, precisa colocar a língua lá dentro”.

Além do tratamento para menopausa, Xuxa credita o aumento do apetite sexual à alimentação vegana, que também compartilha com Junno. Aos 11, ela já queria parar de comer carne vermelha, mas levou dois anos para convencer a mãe. “Ela não tinha essa informação de que dá para se alimentar bem sem ser de bicho”, diz. Aos 15, deixou também de comer ovo e, com 26, tirou o frango do cardápio. Até que, três anos atrás, uma cena mudou sua alimentação de vez. Dono de um aquário, Junno estava alimentando seus animais, quando um camarão começou a brincar na mão dele. “Aí pensei: ‘Como posso dizer que gosto só de cachorro e gato? Mas e a vaca, o porco, a galinha e todos os bichos usados para matar nossas vontades?’. O documentário Terráqueos (de Shaun Monson, 2005) foi a gota d'água para ela fazer do veganismo uma de suas bandeiras. “Me senti num mundo errado e não queria mais bater palma para esse universo. Se dei voz a crianças abusadas, por que não dar aos bichos, que não falam?”, questiona. “Não consigo mais passar na frente de uma churrascaria porque sinto uma energia ruim.”

Xuxa Meneghel para Marie Claire (Foto: Caroline Lima)

Essa é apenas uma das causas a que a apresentadora empresta sua voz. Xuxa é uma importante ativista pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, da qual ganhou o apelido - que ela adora - de Rainha das Bichinhas. “Ninguém precisa estar naquele lugar para abraçar uma bandeira”, entende. Para ela, todos que têm espaço na mídia precisam se posicionar. “Se está calado é porque aceita. E, se aceita, não merece espaço no planeta.” Pautas como racismo e machismo também estão em sua conta. “Quando você não comenta algo como uma mulher morta em casa ou um homem dentro de um supermercado [por causa de sua cor], você está aceitando esse tipo de morte”, afirma.

Foi com esses princípios que educou Sasha, hoje com 22 anos. Extremamente respeitosa, a relação mãe e filha mistura-se com a de parceria. “Sempre deixei ela descobrir os próprios caminhos.” Tanto é que, mesmo não tendo religião, Xuxa a acompanhou em visitas a igrejas evangélicas quando a menina se converteu à doutrina. Orgulhosa, gosta de contar como a filha é solidária, educada e tem um olhar amoroso ao próximo. “Eu sempre quis ter um casal, mas, quando engravidei e descobri que era a Sasha, decidi que seria só ela mesmo”, conta. Mais tarde pensou em adoção, mas se incomodou com o processo. “Não quis entrar em uma fila para esperar que me oferecessem alguém. Quero uma criança que esteja me esperando.” Quando começou a ir para Angola a convite da filha, que já participava do projeto social Aldeia Nissi, apaixonou-se por Betinho, menino abandonado pela mãe. “Mas não podia trazê-lo, ele tem pai.” A apresentadora não descarta, porém, a possibilidade de encontrar esse outro filho pelo mundo. “Talvez ainda tenha um Betinho ou Betinha me esperando.” Enquanto isso não acontece, dá suas pressionadinhas para que Sasha – que acabou de anunciar o noivado – providencie um neto. “Ela diz que vai ter dois filhos biológicos e adotar outros dois”.

Hoje, depois de deixar de lado os contratos com emissoras de televisão, ela está com a cabeça focada em seu filme biográfico, Rainha, um documentário para a Globoplay sobre sua história e uma série de ficção para a Disney Plus. No mais, a Rainha dos Baixinhos só quer seguir sua vida. Trabalhar, namorar, cuidar da família, dos bichos e tomar sua vacina para ser imunizada da Covid-19. “Sou grata a tudo o que conquistei e vivi. Agradeço às minhas rugas, à minha flacidez, às minhas celulites. Às vezes dói em mim, claro, precisei fazer quatro cirurgias para arrumar a prótese de silicone que não deu certo, mas, de verdade, só quero ser feliz. A velhice chega para todo mundo.”