'Na minha família, casamento é para sempre', diz Zeca Pagodinho sobre segredo do sucesso da união de 34 anos

14/02/2021

O globo por Joana Dale

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Cantor e compositor protagoniza seu primeiro ensaio de moda no sítio em Xerém, onde está quarentado ao lado da mulher, Mônica

Pela primeira vez em oito meses, neste domingo, Zeca Pagodinho não vai acordar ouvindo o canto dos pássaros em seu sítio em Xerém, na Baixada Fluminense. Apesar de cumprir o isolamento ao lado da mulher, Mônica, e com a visita regular dos quatro filhos e dos dois netos, por lá, desde julho, foi convocado para estrelar uma live de carnaval promovida pela marca de cerveja que o patrocina na noite de sábado, em São Paulo. É o seu terceiro show on-line desde março e ele já prometeu pegar o caminho de volta logo cedo. Quer chegar em casa a tempo de almoçar uma galinha com quiabo, acompanhada de um vinho francês, ao lado da família. Em meio a tantas mudanças, o cantor respira aliviado com o cancelamento da folia presencial e a transferência para o ambiente virtual, melhor medida para salvar vidas diante de uma pandemia tão avassaladora. “Não tem clima de festa na rua”, resume.

Se após duas taças de vinho ficar animado, o cantor e compositor deve pedir à Alexa, a assistente virtual que acabou de ganhar de presente pelo aniversário de 62 anos, comemorado no último dia 4, para tocar as marchinhas do carnaval de sua infância, nos coretos de Del Castilho, subúrbio do Rio. “Mas acho que essa robô não foi com a minha cara. Pedi para ela tocar Jamelão e ela respondeu dizendo que era um fruto da planta de mesmo nome... Demorou para achar as músicas do seu José Bispo Clementino dos Santos”, reclama. Em sua folia, também não podem faltar “Mamãe eu quero” e “Cachaça não é água”. Zeca lamenta, porém, que não se fazem mais carnavais como os de antigamente. “Agora é muito funk, uma confusão danada. Sou amigo de todos os ritmos musicais, mas carnaval é carnaval.” Ele lembra, com saudosismo, dos tempos em que os sambas-enredo começavam a tocar na rádio em novembro. “Em fevereiro, todo mundo sabia as letras. Eu não lembro das de 2020, você lembra? Nem qual foi o samba campeão da Portela em 2017...”.

O terno para desfilar com a Velha Guarda da azul e branco de Madureira, sua escola do coração, continua dentro do armário para quando o carnaval de 2022 chegar. Mas, a convite da Revista ELA, Zeca topou encarar o primeiro ensaio de moda de seus quase 40 anos de carreira, usando conjuntos bem cortados e, maior das fantasias, um pijama de seda com estampa de pavão. “Minha mãe vai dizer que não criou filho para isso”, faz graça. Mônica até tenta convencê-lo a usar um chapéu de Panamá e uma bermuda estampada: “Finge que está numa praia maravilhosa, num resort chique...”, ela apela. Em vão: “Você sabe que odeio praia e tenho a canela fina. Nem vem”, ele retruca. “E camisa de oncinha embaixo do paletó?”, sugere o stylist. “Nem na cadeia”, Zeca encerra o assunto, com uma piscadela de olho.

Adereços descartados e figurinos definidos, o desafio torna-se convencer o sambista a sair do ambiente com ar-condicionado e encarar cantinhos da área externa do sítio, onde cria cavalos, cabritos e porcos, em um calor de 39 graus. Mônica insiste: “Estava reclamando que não tinha nada para fazer... Então, hoje tem um monte de coisas para você fazer. Vamos lá?”. Ele topa. “Vai ser bonito assim lá em casa”, empolga-se Zeca, ao conferir o resultado no visor da câmera.

Antes do ensaio, ele recebe a equipe bem à vontade. Sem camisa, apenas com um bermudão preto de tactel e chinelos nos pés, despenca no sofá mostarda da sala de TV para conceder a entrevista. “Há oito meses estou exatamente aqui”, dá uma bufadinha, olhando para a televisão de última geração. “Não sei mexer direito no aparelho, ligo e desligo, mas sei a ordem das novelas de cor e salteado.” O cantor tem preferido acompanhar os roteiros da ficção do que as notícias da vida real. A falta de oxigênio nos hospitais de Manaus o deixou sem ar. “Como eles (os governantes) conseguem botar a cabeça no travesseiro e dormir? E encarar os filhos no dia seguinte?” A escalada do feminicídio também o deixa indignado. “É um tal de matar mulher agora. Todo dia tem uma notícia horrorosa, é tio que violentou a sobrinha de 10 anos, é menina de 19 anos que some e é achada morta na mata. Que mundo é esse? Não gostam mais das mulheres e querem acabar com elas, só pode ser... A vida não está valendo nada, se é que ainda vale alguma coisa.”

Para renovar o ar, Zeca levanta do sofá para buscar um frasco de aromatizador de ambiente na estante. “Comprei na feirinha de Xerém. Sabe quanto custou? R$ 8,50”, responde, enquanto borrifa o cheirinho de lavanda aos quatro cantos. O sambista anda de olho no preço de tudo, está mais econômico do que nunca. “Mônica cortou minha mesada. Todo mês, ela me dava R$ 20 mil. Há nove meses, não ganho nada. Também, não trabalho, não saio de casa.”

Zeca não planeja sair novamente de Xerém pelo menos até o final de março, quando está prevista a vez da esperada vacina para quem tem 62 anos — ele conta nos dedos quantas vezes, desde julho, foi ao apartamento da Praia da Barra, lar oficial da família. “Ainda quero viver muito, mas viver bem. Se for para ficar deitado numa cama, não quero mais. Aviso logo.” A Covid-19 levou amigos, como Ubirany, do Fundo de Quintal. “Todo ano, em seu aniversário, eu mandava um porquinho criado aqui no sítio de presente para ele. Agora, nem deu para eu me despedir”, lamenta. Zeca sempre foi chegado a um “gurufim”, velório em que há dança, música e canto, em homenagem ao morto. “O último bom que fui foi o do meu pai (Jessé da Silva morreu em 2015, aos 87 anos), que teve muito salgadinho e bebemos 15 engradados de cerveja.”

A fé o faz encarar a pandemia. “Todo dia às 18h ligo o rádio para ouvir a ‘Ave Maria’. Nunca rezei tanto”, conta ele, que tem São Cosme e Damião tatuados no peito e é “soldado” de São Jorge.

Quarentenado como um passarinho na gaiola, sem voar e quase sem cantar, Zeca conta que a convivência com a mãe de seus quatro filhos, com quem está casado há 34 anos, tem sido intensa: “Tá chato”. O segredo de um casamento longevo? “Na minha família, casamento é para sempre. E, quem resolve se separar, não junta com mais ninguém.” Uma foto da cerimônia religiosa está ampliada em tamanho gigante no centro de uma das salas da casa, como um outdoor. “Nos conhecemos na casa do pai dela, que era meu amigo. Ela era 10 anos mais nova do que eu, tinha acabado de fazer 18, e eu já tinha 45 mil mulheres”, lembra, sem vergonha.

O casamento foi em dezembro de 1986, meses após o lançamento de seu primeiro disco, um sucesso arrebatador, com direito a música “Judia de mim” na trilha sonora de uma novela. Parece lenda urbana, mas há testemunhas: após a cerimônia religiosa, os noivos não conseguiram entrar na própria festa. Explica-se: dias antes, ele perdeu a bolsa de convites em um bar e, resultado, os fãs invadiram a recepção. Para compensar, Zeca e Mônica fizeram uma festa de arromba nas bodas de prata — outra foto em destaque na decoração, nas dimensões de um pôster.

Durante 50 minutos de conversa, o telefone de Zeca toca três vezes. Seja o amigo do botequim, o bicheiro mais famoso do Rio ou um astro da MPB, o sambista fala com todos com o mesmo entusiasmo, sem distinção. “Mas até que eu tenho falado com pouca gente. Tá todo mundo meio sem assunto, ?”, desdenha ele, que não possui WhatsApp, Instagram ou outros aplicativos.

Zeca Pagodinho, Regina Case e Gilberto Gil: amizade Foto: Fábio Seixo/8-8-2014

No dia do seu aniversário, no entanto, botou o papo em dia com meio Rio de Janeiro — a outra metade o homenageou em fotos e brindes virtuais. Uma das primeiras a telefonar foi a apresentadora Regina Casé. “O Zeca é um amigo tão leal e presente que, se acontece algo com você, ele brota. É aquele com quem você sabe que pode contar”, diz Regina. “Tenho uma admiração por ele gigantesca como artista e como carioca, aliás, cariocas como o Zeca estão quase em extinção. Ele é um Rio de que tenho saudade. É o carnaval em seu melhor sentido. Por mais que brinque bastante, é de uma sabedoria profunda. Zeca sabe tudo.”

Gilberto Gil também o homenageou, compartilhando cliques cheios de emoção. Uma das fotos, de outubro passado, mostra os dois se cumprimentando com os cotovelos, numa passagem de Gil por Xerém. Não foi a única. Gil e a mulher, Flora, costumam parar no sítio do amigo para almoçar quando estão indo para a Serra. “Zeca é um gênio da raça. Um ser de convivência prazerosa e espirituosidade surpreendente”, resume Gil.

O Quintal do Zeca, como é chamada a área de lazer no sítio onde acontecem as rodas de samba para promover os compositores — ele é do tipo que deixa de incluir uma criação própria no disco para dar vez a quem precisa — é um espaço mítico. Foi ali, por exemplo, que rolou o convite a Maria Bethânia para os dois fazerem uma turnê juntos, batizada “De Santo Amaro a Xerém”. “Adorei gravar lá com ele e seus amigos compositores. Ainda bem que nos divertimos muito para ter agora, que tudo se cala, essa lembrança boa. Ele em seu terno de linho branco e camisa azul, em homenagem à Portela, é um homem elegante, um carioca de raiz”, elogia Bethânia, que vai além: “Zeca é um homem de família. Sinto tudo muito firme em sua chácara em Xerém”.

É ali, entre as duas mesas de madeira que abrigam uma coleção de cachaças, que Zeca deve passar o seu primeiro domingo de carnaval sem carnaval, na companhia da prole. “Luxo é estar com a minha família”, diz ele. Mesmo quando ficava semanas fora de casa, em turnê, ele nunca deixou de telefonar pelo menos dez vezes por dia. “Os meninos gostam de falar de futebol... Como não gosto, puxo sempre a conversa para a música.” Para quem está pensando que o Zeca 2021 é 100% caseiro, ele manda um recado: “Deixa essa pandemia acabar para você ver”.