'Deus me livre ser perfeita, eu seria insuportável', diz Cláudia Abreu na véspera dos 50 anos

11/10/2020

Morando em Lisboa, atriz estreia em 'Desalma', no dia 22, na Globoplay

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Emoldurada por uma parede azul, Cláudia Abreu reage à orientação do fotógrafo (“Fecha os olhos e viaja. Você é uma super atriz”) e diz: “Rola timidez quando a gente é a gente. Não gosto de tirar foto”. Ela reluta em ser a protagonista. No papel de si mesma, habilidosa, transfere os olhares da equipe para um caquizeiro plantado na esplanada do hotel onde foi realizado o ensaio fotográfico, em Lisboa. “Nunca vi um pé de caqui. Aquilo é fruta-do-conde?”, aponta para outra árvore. “É uma magnólia”, informa um funcionário da casa. “Na minha vida normal, quando preciso viver momentos de glamour é ótimo! Mas prefiro a vida simples: ir para o mato, tomar banho de cachoeira, ler meu livro na rede e acompanhar o florescer de cerejeiras, ipês e quaresmeiras.”

A um dia de celebrar 50 anos (“Não vamos fazer disso o foco da matéria, ?”, apela), Cláudia fala sobre a estreia da série “Desalma”, no dia 22, na Globoplay; os três meses de isolamento em Secretário, Região Serrana do Rio; a temporada que vive em Portugal; a regência da orquestra de quatro filhos; os 23 anos de casamento com o cineasta José Henrique Fonseca; a cultura de intimidação que embaça o Brasil; e o luto pelo sogro Rubem Fonseca, que morreu em decorrência de um infarto, há seis meses. “Foi uma porrada. Nós, como tantas outras famílias, vivemos um luto no confinamento. É uma coisa terrível. Quando um vai ficando bem, o outro não fica”, pontua Cláudia, que sinaliza estar numa fase muito sensível. “A gente morava no mesmo prédio, tinha uma relação muito estreita. Ele era uma figura imensa na vida de cada um. O corpo dele podia ter 94 anos, mas a cabeça era atemporal, um homem sem idade.”

O baque ecoou na mudança temporária para Lisboa, onde o projeto é passar um ano. A cidadania portuguesa é parte da herança deixada pelo escritor, cujos pais eram de Vila Real (cidade ao Norte de Portugal). “Tem gente que fica imobilizado diante do luto ou de alguma situação terrível como a pandemia. A gente foi atrás da vida”, reflete. Durante o confinamento, pintou a ideia de a filha mais velha, Maria Maud, de 19 anos, estudar Música na Escola de Tecnologias, Inovação e Criação, instituição que tinham visitado quando passaram o réveillon em Portugal. A primogênita, que já é cantora e toca violão, passou na prova on-line e arrastou a família. “Quero vivenciar de fato a minha experiência europeia e que meus filhos amadureçam e saiam daqui com outra cabeça.” Parte das decisões foi não levar nenhuma funcionária do Brasil. “Não faz sentido você passar uma temporada na Europa e importar o mesmo conforto que tanto questiono de ter sempre alguém trabalhando para a gente.” Há um mês instalada em Lisboa, a atriz se diz mais carioca do que nunca. Gosta de pedalar com a família até a Torre de Belém nos fins de semana e pretende “entrar no circuito da bike power”, no Parque Florestal de Monsanto.

No Rio ou em Lisboa, para ela, não existe vivência mais fabulosa do que ser mãe de quatro. Além de Maria, Cláudia e o marido são pais de Felipa, de 13, José Joaquim, de 10, e Pedro Henrique, de 9. “Tem uma coisa muito bonita sobre ser mãe de muitos que é como se eu fosse um maestro e eles os instrumentos. Cada um pede uma intensidade, uma cadência. Tem um momento em que você tem que pedir para um ir mais para a vida e outro em que tem que dar uma seguradinha”, compara. Como regente, administra na prática a adaptação dos quatro na faculdade e na escola portuguesa, que desde setembro retomaram as aulas presenciais. “Eu procuro harmonia na minha família e com as pessoas com quem trabalho. Digo para os meus filhos quando misturam a turma no colégio ou agora que estão vivendo uma experiência numa escola diferente que eu mudo de grupo de amigos a cada trabalho que faço”, conta.

Casada há 23 anos com o cineasta José Henrique Fonseca, com quem também tem uma produtora de audiovisual, a Zola Filmes, e acaba de lançar a série “Bom dia, Verônica”, no Netflix, Cacau (para os íntimos) enxerga a relação com “normalidade”. “No momento em que você está tomando um vinho, que poderia não ter a ver com trabalho, já se torna uma conversa interessante que vai desembocar numa troca criativa. E a melhor parte é que a gente tem muitos projetos juntos, seja na vida, na produtora, na construção de uma casa ou na aventura de passar uns meses aqui”, enumera. “Somos iguais a todo mundo. Não trabalhamos tanto juntos. Fizemos um filme só lá atrás e agora temos a produtora. Criamos juntos não necessariamente para executar”, diz. “Quero aproveitar essa temporada no sentido de poder experimentar uma vida diferente. Sempre quis morar fora e nunca consegui, pois trabalho desde muito nova”, comenta ela, que viveu as inesquecíveis Clara em “Barriga de aluguel” (1990), Laura em “Celebridade” (2003) e Helô em “A lei do amor” (sua mais recente novela, em 2016).