Veja 4 mistérios sobre a pandemia de Covid-19 no Brasil 4 meses após 1ª morte confirmada no país

12/07/2020

Data real da chegada do novo coronavírus e número exato de infectados são difíceis de serem definidos com clareza. Além disso, só pesquisas ao longo do tempo explicarão o comportamento da pandemia nos estados e a capacidade do Brasil diante de uma possível vacina. Por Lucas Vidigal, G1

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O Brasil completa neste domingo (12) quatro meses desde a primeira morte por Covid-19 oficialmente registrada no país. De lá para cá, o novo coronavírus matou 71,5 mil pessoas, com média diária superior a 1 mil na última semana.

Nesses quatro meses, os brasileiros aprenderam a conviver com medidas de proteção: evitar aglomerações, higienizar bem as mãos e superfícies e, quando possível, permanecer em casa. A ciência também vem aprendendo mais e mais ao avançar na busca por uma vacina ou por tratamentos comprovadamente eficazes.

Ainda assim, há alguns mistérios sobre a pandemia do novo coronavírus no Brasil que ainda devem ser esclarecidos ao longo do tempo, com pesquisas e estudos.

Quando o vírus realmente chegou ao Brasil?Qual o real número de casos de Covid-19?Por que o surto está diminuindo em algumas cidades?O Brasil terá condições de debelar a pandemia com vacina?

Veja mais detalhes abaixo

1. Quando o vírus realmente chegou ao Brasil?

12 de junho de 2020 - Coveiros fazem exumação de corpos enterrados há 3 anos no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil — Foto: Andre Penner/AP

Embora o primeiro registro oficial tenha sido relatado em 26 de fevereiro em um paciente de São Paulo proveniente na Itália, há a suspeita de que o novo coronavírus tenha chegado antes disso. Porém, ainda não existe consenso de quando o vírus começou a circular no Brasil. Afinal, nem sempre a doença se manifesta nos infectados, e nem todos os casos foram reportados às autoridades de saúde.

Ainda assim, os especialistas ouvidos pelo G1 duvidam que o novo coronavírus tenha chegado ao Brasil muito antes da primeira confirmação. Caso o vírus realmente circulasse no país desde novembro — como sugeriu um estudo feito no esgoto de Florianópolis — os hospitais brasileiros teriam percebido a alta na demanda por atendimento já naquela época, o que não aconteceu.

"A dinâmica da epidemia não fala muito sobre o vírus ter entrado muito antes. Em princípio, a versão original é mais verossímil", aponta o médico Gerson Salvador, especialista em infectologia pela Universidade de São Paulo (USP).

Na mesma linha, o professor Alexandre Barbosa, chefe de Infectologia na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que outros fatores podem ter confundido as análises de esgoto.

"Existem várias possibilidades [para o resultado], como a reação ter apresentado um resultado cruzado com outros coronavírus que causam resfriado comum ou outros vírus parecidos com o Sars-CoV-2 que não infectam seres humanos", analisa Barbosa.

2. Qual o número real de casos de Covid-19?

De acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o número de casos confirmados de novo coronavírus no Brasil passava de 1,8 milhão neste sábado (11) — o segundo mais alto em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos.

Os epidemiologistas, porém, são unânimes: há subnotificação, ou seja, existem mais casos de Covid-19 desde o início da pandemia no Brasil do que o oficialmente relatado. Tanto por pacientes assintomáticos quanto por falta de testes. Por isso, não se sabe com clareza quantas pessoas o novo coronavírus realmente infectou.

Segundo Alexandre Barbosa, mesmo se todos os doentes fossem testados com os melhores testes disponíveis, haveria ao menos de 30% a 40% pacientes infectados que não apresentaram sintoma. No caso do Brasil, a situação é ainda mais grave porque não há testes para todos.

"E pior: o Brasil testa na maioria das vezes com o tal 'teste rápido', que tem índice de falso negativo altíssimo na primeira semana porque depende da presença de anticorpos", acrescenta Barbosa, que estima número real de casos de5 a 10 vezes a mais do que o oficial.

O infectologista Gerson Salvador cita os estudos feitos pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) — que faz estimativas do real tamanho da doença a partir de testes aplicados em várias partes do Brasil — e relembra que, no início, os casos mais notificados eram justamente os mais sintomáticos.

"Agora tem havido mais diagnósticos, com mais testes. Então, a proporção dos casos com muitos sintomas deve ser menor", diz Salvador.

3. Por que o surto está diminuindo em algumas cidades?

Monitoramento do G1 mostra que em alguns estados como Acre, Amapá e Rio de Janeiro registram queda no número médio de mortes diárias. Além das necessárias medidas de isolamento, dizem os infectologistas, tudo indica que há menor número de pessoas suscetíveis a se infectar pelo novo coronavírus. O real número de suscetíveis, porém, ainda é objeto de estudos.

Em parte, isso é causado justamente porque esses estados tiveram centenas de pessoas infectadas pelo patógeno e, portanto, adquiriram imunidade — se ela é duradoura ou não, ainda não está claro. O infectologista Gerson Salvador relembra que há estudos em andamento sobre a imunidade da Covid-19 — inclusive sobre respostas imunológicas que vão além dos anticorpos.

"A gente vê a sorologia e vê quem tem anticorpo, mas hoje a gente estuda pessoas que não desenvolvem a doença por que têm resposta imunológica celular", aponta Salvador.

O professor Alexandre Barbosa concorda, mas reforça que os governos não devem esperar que todos os suscetíveis se infectem como forma de debelar a doença.

"Não adianta expor todo mundo para circular e se infectar porque aí você vai ter muitos óbitos", explica.

4. O Brasil terá condições de debelar a pandemia com vacina?

Corrida de farmacêuticas para produzir vacina contra a Covid-19 envolve dezenas de projetos — Foto: Dado Ruvic/Reuters

Os infectologistas ouvidos pelo G1 dizem que, primeiro, é preciso saber se haverá vacina. Embora dois testes estejam em andamento já na fase avançada no Brasil — uma da Universidade de Oxford e outra de uma empresa chinesa — ainda não há nada confirmado.


"Primeiro: será que essas vacinas vão conseguir fazer anticorpos? Segundo: se elas fizerem anticorpos, eles serão protetores e evitarão a doença? Terceiro: quanto tempo dura esses anticorpos? Ninguém sabe. A gente tem que lembrar que a Covid-19 tem seis meses", questiona Alexandre Barbosa, da Unesp.

Gerson Salvador, da USP, concorda: é preciso esperar para saber se as vacinas testadas darão certo. Ele, no entanto, é otimista quanto à capacidade do Brasil controlar a epidemia caso cheguemos a uma vacina.

"Enquanto houver produção em escala industrial, o Brasil tem condições, sim. O país tem um dos sistemas de vacinação mais avançados do mundo", relembra Salvador.